segunda-feira, 11 de junho de 2007

A polêmica entrevista de Leila Diniz

...como diz Leila Diniz

Num texto dos anos 70, o jornalista Millôr Fernandes ironicamente exortava: Feministas de todo o mundo, uni-vos. Nada tendes a perder senão os vossos maridos. Era um sarcástico comentário sobre o avanço do movimento feminista que, depois da Europa e dos Estados Unidos, também chegava ao Brasil. Consciente de seu novo papel na sociedade e já tendo conquistado antigos direitos civis como o voto e o acesso à universidade , as mulheres procuravam agora reforçar sua identidade sexual, negando a relação de hierarquia entre o macho e a fêmea. Na busca de um relacionamento mais justo e aberto entre as pessoas, as feministas reivindicavam o direito à sexualidade e à igualdade com os homens no mercado de trabalho.
O protótipo da mulher liberada no Brasil foi Leila Diniz, nascida em 25 de março de 1945, em Niterói, Rio de Janeiro. Formada em magistério foi ser professorinha no jardim de infância de um subúrbio carioca. Estrela de cinema e TV, musa de Ipanema e de uma geração de boêmios da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, Leila ganhou notoriedade quando estrelou o filme "Todas as Mulheres do Mundo", que a mostrou nua e esplendidamente bonita.
Leila mais que uma mulher bonita sempre fora uma pessoa de atitudes corajosas e já aos 17 anos saíra de casa para viver um grande amor com o cineasta Domingos de Oliveira que a lançou como atriz no cinema e nas novelas da TV Globo. Mas bem mais que na arte foi na vida que a atriz desempenhou seu melhor papel.
Com suas atitudes corajosas e liberais, Leila rompeu preconceitos, quebrou tabus, avançando os limites da moral vigente. O casamento com Domingos de Oliveira durou 3 anos e depois disso se casaria com o diretor moçambicano Ruy Guerra, com quem teria uma filha, Janaína. Em 1971, grávida de mais de seis meses, ela ia de biquíni a Ipanema uma prática hoje natural, mas que na época muitos tomaram como uma afronta à tradição, à família e à maternidade.
O maior rebu, entretanto, aconteceu em novembro de 1969, quando chegou às bancas uma edição de "O Pasquim" trazendo uma reveladora entrevista com Leila Diniz. Foi um estouro. Nunca uma mulher brasileira tinha falado de sexo de forma tão aberta na imprensa. A maior parte do que ela falou não saiu publicado naquela edição do Pasquim, e nem poderia. Mas o pouco que saiu no jornal foi suficiente para mobilizar o governo a criar uma severa lei de censura prévia à imprensa, o Decreto nº 1.077, apelidado Decreto Leila Diniz.
Aquela polêmica entrevista de Leila, se por um lado consagrou o mito da atriz, por outro também trouxe-lhe muitos aborrecimentos e portas na cara. A TV Globo, por exemplo, onde ela atuara no início da carreira, negou-lhe trabalho e num momento em que a emissora despontava como líder de audiência. Não tem papel de puta na próxima novela, justificou um diretor da casa. (Ruy Castro, Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pág. 38). O cerco repressivo foi se intensificando sobre a atriz e numa certa tarde de domingo a Polícia Federal foi buscá-la com uma ordem de prisão à saída da TV Tupi, onde ela se virava como jurada de Flávio Cavalcanti. Providencialmente, Leila saiu escondida no banco de trás do carro do apresentador, que a abrigou durante alguns dias em sua casa em Petrópolis. Depois de muita negociação ficou decidido que a atriz iria depor na Polícia Federal e assinar um documento em que se comprometia a não dizer mais palavrões.
A atriz participou de quatorze filmes (que quase não são exibidos), doze telenovelas e muitas peças teatrais. Ganhou na Austrália o prêmio de melhor atriz com o filme "Mãos Vazia"s.
Leila morreu em junho de 1972, aos 27 anos, quando retornava de um festival de cinema na Austrália. O avião em que viajava explodiu pouco antes de aterrissar no aeroporto de Calcutá, na Índia. Foi uma tremenda fatalidade para quem se afirmava cheia de entusiasmo: A minha maior força é a minha energia, a minha alegria e a minha vontade de viver.
O paradoxal é que esta figura hoje símbolo da liberação feminina no Brasil não se entendia muito bem com as feministas de sua época. Como diz Leila Diniz / homem tem que ser durão ..., cantava Erasmo Carlos no samba Coqueiro Verde. Por essas e outras Rose Marie Muraro dizia que Leila fazia o jogo dos homens e que ser mulher era algo mais que sair dando por aí. Isto não impediu, entretanto, que após a morte da atriz as feministas se apossassem da sua imagem, transformando-a numa bandeira do movimento que se projetou ao longo dos anos 70.

A entrevista para "O Pasquim"
"Eu nunca comi mulher nenhuma porque elas não tem pau. E pra mim pau é um negócio essencial. Eu gosto muito da coisa entrando em mim" Leila Diniz
O Pasquim se notabilizou por publicar suas entrevistas tal e qual o entrevistado falava, sem cortes ou retoques, no caso de Leila não pode agir assim. O vasto repertório da atriz como cu, caralho, tesão, fodida foi substituído por asteriscos e frases inteiras foram suprimidas ou maquiadas na redação.

Ouvindo-se hoje a fita original constata-se, em meio às gostosas gargalhadas de Leila, que ela falou muito mais do que foi publicado. Eu gosto é de trepar, porra!, confessou para ela para a equipe de entrevistadores, entre os quais Tarso de Castro, Jaguar e Sérgio Cabral, que se diziam dispostos a atende-la. E Leila instigava: Acho que prá mim seria bacana trepar todo dia. E não me importaria se fossem uma, duas, três, vinte ou mil vezes, por dia. Eu tenho uma puta resistência física, acrescentando mais adiante: Já me aconteceu de passar uns três dias não fazendo outra coisa na vida senão trepar sem parar.

Sobre os grilos do homem na cama Leila analisou que este negócio de brochar é problema de cuca. O pau não tem nada a ver com isso, coitadinho. O pau é um ser maravilhoso que a cuca às vezes atrapalha. Eu sou contra a cuca por causa disso. Viva o pau e abaixo a cuca. Aquela velha reclamação de algumas mulheres de que faltaria virilidade ao homem moderno, Leila esbravejou: Porra nenhuma! De jeito nenhum! Eu trepo de manhã, de tarde e de noite e tem homem paca por aí. Mas é a tal coisa: eu gosto de trepar.
Frases dela e de outras pessoas sobre ela
"Se tivesse vontade transaria com o motorista de táxi" Leila Diniz
"Professorinha ensinando a crianças, a adultos, ao povo toda a arte de ser sem esconder o ser" (trecho de uma poesia de Drummond , feita no dia da morte de Leila)
"Toda Mulher é meio Leila Diniz" Rita Lee
"Leila Diniz foi um cometa que passou pela nossa terra e deixou um rastro luminoso que até hoje não se apagou" Mariana Várzea, jornalista
"Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente." Leila Diniz
Uma mulher solar

Primeira mulher a desfilar grávida de biquini pelas areias de Ipanema, Leila chocou diversas vezes a mentalidade conservadora de uma classe média que em 1964 apoiou o golpe militar e apostou na repressão como via de moralização do país.

A mídia aproveitou a imagem até então inédita do ventre fertilizado exposto e o transformou em várias capas de revista. Leila Diniz foi assim associada à vida, à fertilidade, à alegria de viver: uma mulher solar.
A entrevista, a gravidez exposta, os palavrões freqüentemente utilizados em público e a apologia à felicidade foram aos poucos consolidando a imagem de Leila.
Para uns, ela representava o atentado à moral e aos bons costumes, para outros, era o signo matricial da nova mulher: liberada, independente, livre e feliz: um mito solar. Numa sociedade, que na década de 60, passava pelo processo de expansão dos seus meios de comunicação de massa, a consolidação da figura de Leila Diniz foi possibilitada pela mídia.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

PLANETA DIÁRIO - JORNAL DE HUMOR

O Planeta Diário foi um influente tablóide brasileiro de humor publicado entre 1984 e 1992. Por metonímia, também se costuma dar o nome O Planeta Diário ao grupo de humoristas que produzia o jornal e juntou suas operações com a turma da Casseta Popular, formando o Casseta & Planeta.

"O Maior Jornal do Planeta"

Em 1984 os humoristas cariocas Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva, egressos do Pasquim, se reuniram para produzir um novo jornal mensal de humor. A edição inaugural chegou às bancas em dezembro do mesmo ano.

Desde sua primeira edição, O Planeta Diário estabeleceu um padrão de humor gráfico, baseado na sátira aos jornais "sérios", diferente de tudo que se conhecia. Sob um layout conservador, destinado a se confundir com os periódicos tradicionais nas bancas, O Planeta Diário trazia manchetes falsas como "Nelson Ned é o novo Menudo", "Maluf se entrega à polícia" e "Ozzy Osbourne morde Ivan Lins". A escolha das fotografias potencializava o absurdo: sob o título "Wilza Carla explode na Terça-Feira Gorda" saiu a célebre foto da explosão da Challenger.

A começar pelo nome, o mesmo do jornal de Clark Kent dos filmes e quadrinhos (para que não restassem dúvidas, o próprio Super-Homem -- de bigode e com um globo no peito no lugar do "S" -- surgia no cabeçalho do jornal gritando "Krig-Ha, Bandolo!"), o autoproclamado "Maior Jornal do Planeta" atuou em consonância com a onda de saudosismo dos anos 50 e 60 que ocupou boa parte do imaginário dos anos 80 em todo o mundo -- no Brasil essa tendêncai confluiu com a idealização do período pré-1964 na Nova República. A atmosfera era reforçada pelas explorações gráficas, quase sempre aproveitando fotos e anúncios "garimpados" de revistas dos anos 50 como National Geographic, Life, Saturday Evening Post e O Cruzeiro.

A nostalgia gráfica já era encontrada em trabalhos anteriores, como a capa do LP As Aventuras da Blitz, que fazia tributo à linguagem dos quadrinhos e vinha repleto de pequenas ilustrações extraídas dos catálogos de novelties comumente encontrados em revistas infanto-juvenis americanas (muitas dessas ilustrações seriam exaustivamente aproveitadas no Planeta).

O uso de arte visual de décadas passadas reforçava a "mística" conservadora que o Planeta criara para si mesmo. Perry White (mesmo nome do editor do Planeta Diário nos quadrinhos) era um dono de jornal à Hearst ou Chateaubriand que controlava suas organizações com mão de ferro, gostava de receber homenagens e, aparente alheio à escancarada imoralidade sexual de sua esposa e suas três filhas, vendia o apoio do Planeta a quem pagasse melhor. (A edição que saiu logo depois da eleição de Tancredo Neves estampa um muito sério editorial de apoio à candidatura de Paulo Maluf. Um post-scriptum assinala que o jornal sempre honra seus compromissos, "mesmo quando há atraso na compensação do cheque".)

Enquanto as três primeiras páginas reproduziam aproximadamente o formato (e satirizavam impiedosamente o conteúdo) dos noticiários regulares, o resto do jornal era ocupado com grandes reportagens, ensaios fotográficos (também com imagens recortadas de revistas antigas), anúncios fajutos, louvores a Perry White, fotonovelas, paródias de revistas e de outros jornais, versões "atualizadas" de histórias de Carlos Zéfiro, colaborações da Casseta Popular e outras experiências em humor que, em conjunto, revelam-se como um termômetro das tendências e modismos de meados dos anos 80.

Trajetória

1984-1987: os dias de Perry White

Depois de poucas edições, o tablóide já se tornara um grande sucesso. Proliferavam anunciantes (reais), principalmente do Rio de Janeiro, onde tornou-se in associar-se ao maior fenômeno de humor de seu tempo. Em 1985 "O Planeta em Órbita", série de notinhas extraídas do jornal impresso, começou a ser transmitida nos intervalos na Rádio Transamérica do Rio de Janeiro. A coluna de Perry White se tornou atração da Folha de São Paulo; em 1986 as melhores colunas foram reunidas no livro Apelo à Razão.

O Plano Cruzado (comemorado na edição de março de 1986 na manchete "Cruzeiro muda de nome e passa a se chamar Suely") renderia boas piadas, mas o preço do tablóide foi congelado num nível baixo (5 cruzados), ainda assim pouco competitivo (o mesmo de um jornal de domingo como O Globo ou a Folha). Daí em diante, seguidos pacotes econômicos prejudicariam as finanças do Planeta.

Naquele ano o personagem Osíris Lontra "disputou" uma vaga de deputado federal constituinte.
Na edição dupla do verão de 1987, pela primeira vez O Planeta Diário saiu com capa colorida. A prática seria retomada em caráter regular de 1990 em diante.

Em 1987 o tablóide sentiu as conseqüências da crise pós-Plano Cruzado. A queda nas vendas foi acompanhada de uma série de reformas criativas. Deixando para trás os tempos da novidade e do modismo, o Planeta adotou uma linha mais popular, reduzindo, mas nunca suprimindo, a importância dos sutis jogos de palavras e das referências (algo obscuras) à cultura pop que sempre rechearam os textos.

No segundo semestre de 1987 dois símbolos do "velho" Planeta chegavam ao fim:

Em agosto, sob pressão judicial, o Planeta renunciou ao uso da personagem Perry White e da imagem do Super-Homem, propriedades intelectuais da DC Comics. Segundo o editorial daquela edição, Perry (não mencionado pelo nome) teria perdido o jornal numa mesa de pôquer para suas filhas Georgette, Margarette e Anette White (personagens já conhecidas desde a capa do primeiro número). O espaço do Super-Homem no cabeçalho foi ocupado nas primeiras edições subseqüentes por um busto da Escrava Anastácia.

Em setembro foi publicado o último capítulo de A vingança do bastardo, o primeiro folhetim de Eleonora V. Vorsky. Simultaneamente chegou às bancas o livro de mesmo título. A vingança do bastardo foi seguido imediatamente por Calor na bacurinha, as memórias de Prima Roshana narradas em primeira pessoa.

1988-1989: novos vôos
O sucesso-relâmpago do Vandergleyson Show na Rede Bandeirantes conduziu seus redatores -- as equipes do Planeta e da Casseta Popular -- às portas da Rede Globo. Como conseqüência, em 1988 Cláudio Paiva deixou o grupo do Planeta para se dedicar exclusivamente ao TV Pirata. Para alguns críticos, do ponto de vista criativo, a saída de Paiva representou um golpe de morte no incontrolável espírito jocoso do jornal. Para outros, com ou sem Paiva, a necessidade de conciliar carreiras paralelas na música e na televisão levou os "planeteanos" a dar menos atenção ao veículo impresso.

Sob novas experimentações de linguagem, porém, seguia firme o espírito do "velho" e polêmico Planeta, como na manchete "Depois da China, Sarney irá à merda" (alusiva a uma das viagens da imensa comitiva presidencial).

No primeiro semestre de 1988 saiu a antologia O Melhor do Planeta, já com todas as referências a Perry White suprimidas dos artigos antigos, e o jornal se engajou na campanha de Macaco Tião para prefeito do Rio de Janeiro.

No ano seguinte, a exaustiva turnê de lançamento do disco Preto com um buraco no meio não impediu que o jornal encontrasse novos momentos de brilho na cobertura da campanha presidencial (um bom exemplo está na manchete "Absorventes íntimos aderem à candidatura Collor"). Em compensação, a candidatura de Macaco Tião para presidente não foi à frente devido à ativa militância de Hubert e Reinaldo (como membros da banda Casseta & Planeta) em favor de Lula desde o primeiro turno da campanha.

Em dezembro de 1989 saiu o capítulo final de Calor na bacurinha.

1990-1992: a reta final

Apesar do novo logotipo e do uso em caráter permanente das capas em cores (estratégia adotada desde a edição de janeiro/fevereiro de 1990 para enfrentar a concorrência visual dos jornais diários cada vez mais "colorizados"), O Planeta Diário sofria problemas sobre problemas: irregularidades no papel e na impressão, periodicidade prejudicada (efeito imediato do Plano Collor), falhas na distribuição, redução do número de páginas e conteúdo rarefeito. A queda de qualidade na produção gráfica acabou sendo agravada pelo uso da editoração eletrônica, um recurso então pouco comum em jornais de pequeno porte no Brasil: adotada por proporcionar economia de tempo, trouxe resultados visualmente pouco animadores.

Enquanto isso, a atividade crescente dos editores na frente das câmeras --- em Doris para maiores (1991) e Casseta & Planeta, urgente! (desde 1992) ---, acumulada às temporadas de shows da banda, reduziram ainda mais o tempo disponível para o devido cuidado ao jornal.

Isso não impediu que a República das Alagoas garantisse ao Planeta uma fonte praticamente inesgotável de escândalos e de piadas, gerando os temas de praticamente todas as capas do período --- quase sempre com Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello e outras figuras de Brasília em situações constrangedoras. Numa exceção marcante, a edição de abril de 1991 tornou-se a única a ter ido às bancas em embalagem lacrada devido a nu frontal feminino na capa (manchete: "Sinéad O'Connor ganha na raspadinha").

De março/abril de 1990 em diante foi publicado o folhetim Ardência no regaço, às vezes intercalado por artigos especiais de (ou sobre) Eleonora V. Vorsky.

Em julho de 1992, sob o peso das dificuldades financeiras, O Planeta Diário lançou sua edição final, de número 84. Daí em diante sua dupla criativa se juntou definitivamente à Casseta Popular na mídia impressa, formando a revista Casseta & Planeta.

Atrações freqüentes

O dinamismo editorial do Planeta Diário não permitiu um grande número de colunas e seções regulares: os folhetins de Eleonora V. Vorsky foram a maior exceção. Eis algumas das atrações encontradas com maior freqüência ao longo da história do tablóide:


Clichês e personagens

  • Perry White, a Baronesa White (sua esposa devassa) e suas filhas Georgette, Margarette e Anette White (conhecidas coletivamente como Planetetes)
  • Delegado Peixoto, da 25ª DP
  • O veado dos anúncios da seguradora Hartford, aproveitado incontáveis vezes por sua conotação homossexual

Influência em outras publicações

  • Em 1986, no rastro do sucesso do Planeta (e da passagem do cometa de Halley), o cartunista Ota lançou o tablóide O Cometa Popular.
  • Em 1989, também lançado como tablóide, Anormal se apresentava como uma alternativa anarquista e "não-vendida" ao Planeta e à Casseta, no entanto, levando ao extremo o recurso (cada vez mais usado pelas publicações "adversárias") de enxertar cabeças de políticos em corpos estranhos (notadamente nus femininos).
  • Elementos inspirados no Planeta Diário podem ser encontrados no Revistão do Faustão, publicado pela Editora Globo. A equipe do Planeta recebeu proposta para escrever para o Revistão, mas recusou o convite.
  • Em fins dos anos 80 Hubert e Marcelo Madureira se juntaram na coluna Agamenon Mendes Pedreira, desde então uma atração regular do jornal O Globo aos domingos. Fiel ao espírito do Planeta, a coluna resgatou o tema "homem de imprensa corrupto com esposa devassa" (como era Perry White), os dinâmicos jogos de palavras e até o uso de ilustrações de revistas antigas.

    Curiosidades
  • Ferreira Gullar, uma das maiores "vítimas" das piadas do Planeta (sob o bordão "Você não acha o Ferreira Gullar um gato?"), acabou sendo convidado para participar de uma fotonovela do jornal. O convite não foi aceito.
  • O tablóide foi obrigado a se abster de usar o nome "Perry White" e a imagem do Super-Homem. No entanto, os direitos da DC Comics não se estendiam à marca O Planeta Diário em português.
  • Diferentemente da maior parte das publicações do gênero, O Planeta Diário nunca publicou as cartas dos leitores. A situação foi satirizada pelo próprio jornal em uma "seção de cartas" de aparição única apresentando as queixas conjugais do rei do baralho.
  • Como a Casseta Popular, o Planeta também ofereceu (começando em 1987) uma linha bem-sucedida de camisetas com mensagens como "A perestroika da vizinha tá presa na gaiola", "O cheque não compensa" e "Praia de Ramos, Hawaii".

Fonte: Wikipedia

sexta-feira, 1 de junho de 2007

"A mídia implorava pela intervenção militar"

Entrevista com Mino Carta. Por Adriana Souza Silva, da Redação AOL

No momento em que a Ditadura completa 43 anos e os meios de comunicação vão veicular muita bobagem – sobretudo toda a bobagem suficientemente interessante e capaz de excluir suas mãos do sangue que correu – nada melhor que a palavra de um jornalista que não tem medo dos jornais e que sabe exatamente qual foi o papel da mídia antes e depois de 1964.

Nos 43 anos do Golpe Militar, o jornalista Mino Carta, que viveu na imprensa as tensões da ditadura, fala à reportagem da AOL. "Os jornais que hoje dizem ter sido censurados, na verdade serviam ao regime", diz ele.

Leia os destaques:

"A mídia vinha invocando o golpe há muito tempo. O Brasil tem a pior mídia do mundo. Ela é muito ruim, incompetente, priva pela ignorância, pela vulgaridade, pelo distanciamento e pela falta de responsabilidade."

"A Folha de S. Paulo nunca foi censurada. Até emprestou a sua C-14 [carro tipo perua, usado na distribuição do jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]."

"Os senhores Civita não entendiam nada de Brasil. Aliás, acho que continuam não entendendo. O rapaz Roberto Civita, que é um outro idiota... Entre o Otavio e o Roberto é um páreo duro para ver quem é o mais imbecil..."

Ele é referência para a imprensa brasileira. Aos 70 anos, o jornalista Mino Carta fez por merecer esta definição. Criou o Jornal da Tarde, em São Paulo, e as revistas Veja, Quatro Rodas, IstoÉ e, sua menina dos olhos, a Carta Capital, que em junho completará 10 anos. Vem daí a legitimidade para bater duro na mídia brasileira. "É a pior do mundo", costuma repetir. Faz pose de herói da resistência, sobretudo quando revela que até hoje usa a boa e velha Olivetti para escrever. E se você o elogia pela fidelidade à maquina antiga, dispara: "Não sei nem ligar um computador, sou um pobre velhinho".

Na semana em que o Golpe Militar faz 43 anos, a reportagem da AOL correu atrás desse "pobre velhinho" - a bem da verdade, um charmoso italiano de Gênova. A censura no período militar foi um tema que despertou sua ironia machadiana. A entrevista aconteceu na redação da Carta Capital, no bairro paulistano Cerqueira César. Aos donos da Editora Abril e da Folha de São Paulo sobraram críticas ferinas. Mino Carta diz que quem sofreu com a censura foram os jornais alternativos. Da grande imprensa - eis um termo que ele detesta -, apenas os jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde tiveram de substituir artigos proibidos por poemas de Camões e receitas de bolo, expediente adotado na época para alertar os leitores dos expurgos de texto indicados pelos censores. Assim mesmo, segundo ele, porque havia uma briga interna entre os militares e a família Mesquita, dona do jornal, por cargos do regime. "Os editoriais da Folha, de O Globo e do Jornal do Brasil clamavam pela intervenção", afirma.

Nascido em data incerta - entre 6 de setembro de 1933 e 6 de fevereiro de 1934 -, Demétrio Carta chegou ao Brasil aos 12 anos de idade. Começou no jornalismo em 1950, cobrindo a Copa do Mundo como correspondente de um jornal romano Il Messaggero. Instalou-se de vez no Brasil em 1960, ano em que fundou a revista Quatro Rodas. As décadas seguintes seriam dedicadas ao
jornalismo. A estréia como escritor foi em 2000, com o romance O castelo de âmbar (Editora Record) no qual destila o sarcasmo genovês em prestado ao personagem Mercúcio Parla, o pseudônimo escolhido para contar suas andanças pela profissão e sua relação com o poder. Na entrevista que segue, Mino Carta passa em revista o período em que o Brasil ficou na mãos dos
militares, revela sua experiência com a censura e detalhes sobre personagens da época. Confira:

AOL - Como os jornais trataram a notícia do Golpe Militar?
Mino Carta - Golpe?! Imagina se alguém iria usar este termo. Os jornais sempre falaram em Revolução. Até hoje, muita gente ainda diz que foi uma "Revolução". O uso indiscriminado desta palavra é uma coisa que me dói. Tenho muito respeito pelas palavras, acho que cada uma tem seu peso, seu valor... Mas, voltando a sua pergunta, a mídia brasileira, desde aquela época, servia ao poder. Digo que o Brasil tem a pior mídia do mundo. Ela é muito ruim, incompetente, priva pela ignorância, pela vulgaridade, pelo distanciamento e pela falta de responsabilidade. A mídia vinha invocando o golpe há muito tempo. Isso é o que mais me lembro dos editoriais de O Globo, do Estadão, do Jornal do Brasil. Nesse tempo, a Folha de São Paulo não tinha o peso que adquiriu depois. Mas esses três jornais soltavam editoriais candentes, implorando a intervenção militar para impedir o caos. Era o caos que estava às portas!

AOL - Então, o golpe era previsível?
Carta - Era claro que o golpe estava em movimento e logo também foi claro que não haveria qualquer tipo de resistência, a não ser uma ou outra coisa isolada que não adiantaria, naturalmente, para coisa alguma. Quando recebi essa notícia - nesse período, eu dirigia a redação da revista Quatro Rodas -fiquei estarrecido. Mas, ao mesmo tempo, não fui surpreendido. Aquilo
estava engatilhado há muito tempo. De resto, há o fato de que essa tragédia teve um lado - não diria cômico porque foi uma tragédia baseada na costumeira hipocrisia e prepotência da elite brasileira, insuflada pelos Estados Unidos -, mas eu posso dizer que houve um lado irônico. Tudo foi feito em nome de uma ameaça, do comunismo, que não existia. O Brasil estava em processo de industrialização. E isso traria certas conseqüências inevitáveis, como por exemplo, o surgimento de sindicatos fortes e o nascimento de um partido de esquerda de verdade, capaz de chegar ao povo, ao contrário do que a esquerda brasileira tem conseguido até hoje. Tudo isso, que iria acontecer mais cedo ou mais tarde, representou, naquele momento, uma justificativa para aqueles que queriam dar o golpe. Aquilo era, evidentemente, previsível. Até porque não houve qualquer tipo de resistência, não foi derramada uma única e escassa gota de sangue pelas calçadas brasileiras.

AOL - E se tivesse havido sangue?
Carta - Se tivesse havido sangue, teríamos a prova de que havia algum a coisa encaminhada, que o Brasil tinha uma resistência organizada. O fato de não ter havido reação alguma prova, de uma forma clamorosa, que não havia nada que justificasse o golpe. Na verdade, havia sim um estudante que sonhava com um Brasil melhor, um ou outro intelectual que achava que a coisa poderia ter tomado um outro rumo e até alguns políticos dignos que gostariam de viver em um País mais justo socialmente.

AOL - O senhor diz que a mídia implorava pela intervenção militar. Mas os donos dos jornais citados pelo senhor falam que foram perseguidos.
Carta - Eles falam isso a custo da destruição da memória. Primeiro, destrói-se a memória. Esse é o processo. Em cima da escuridão, inventa-se qualquer coisa, e os leitores engolem tranqüilamente porque o trabalho é eficaz. A destruição da memória é algo que aqui se pratica com extrema habilidade. Assim como o chute no cadáver, a destruição da memória é um dos esportes nativos do Brasil, praticado com extrema competência. Em cima da destruição da memória, alguns jornais inventam que sofreram censura. O Jornal do Brasil nunca foi censurado. A Folha de São Paulo nunca foi censurada.

AOL - Nunca?
Carta - A Folha de São Paulo não só nunca foi censurada, como emprestava a sua C-14 [carro tipo perua, usado para transportar o jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]. Isso está mais do que provado. É uma das obras-primas da Folha, porque o senhor Caldeira [Carlos Caldeira Filho], que era sócio do senhor Frias [Octavio Frias de Oliveira], tinha relações muito íntimas com os militares. E hoje você vê esses anúncios da Folha - o jornal desse menino idiota chamado Otavinho [Otavio Frias Filho] - esses anúncios contam de um jeito que parece que a Folha, nos anos de chumbo, sofreu muito, mas não sofreu nada. Quando houve uma mínima pressão, o sr. Frias afastou o Cláudio Abramo da direção do jornal. Digo que foi a "mínima pressão" porque o sr. Frias estava envolvido na pior das candidaturas possíveis, na sucessão do general Geisel. A Folha estava envolvida com o pior, apoiava o Frota [general Sílvio Frota, ministro do Exército no governo Geisel]. O Claudio Abramo foi afastado por isso . O jornal O Globo também não foi censurado. Isso é uma piada. Mas o Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, sim, esses dois foram censurados. Mas a censura veio porque havia uma briga interna deles.

AOL - Como assim?
Carta - Se houve um jornal que apoiou o golpe, foi O Estado de São Paulo. O Estado, assim como o Carlos Lacerda, que acabou caçado três anos depois que a "Redentora" se abateu pelo País. Essa gente aspirava a um papel que não tiveram. Então, começaram a brigar entre eles. O jornal Estado tinha uma profunda antipatia pelo Castello Branco porque ele não aceitou as sugestões do jornal na composição de seu primeiro governo. E aí começou essa briga interna que desaguou numa censura que era praticada na redação do jornal. O Estado tinha de publicar versos de Camões nos trechos das reportagens retiradas na redação. E no Jornal da Tarde eles tinham de colocar receitas de bolo nesses espaços.

AOL - Quem foi, de fato, censurado?
Carta - A revista Veja sofreu uma censura duríssima. Começou depois de 1969, depois de várias apreensões em bancas. A censura só acabou quando saí da revista [Mino Carta criou e dirigiu a revista Veja de setembro de 1968 até 1976].

AOL - A Veja nasceu três meses antes do AI- 5. Não havia esse receio?
Carta - Os senhores Civita não entendiam nada de Brasil. Aliás, acho que> continuam não entendendo. O rapaz Roberto Civita, que é um outro idiota... Entre o Otavio e o Roberto é um páreo duro para ver quem é o mais imbecil... Mas, de qualquer maneira, a revista foi censurada duramente, por muitos anos até 1976. E informo que, a partir de um certo momento, a partir de abril de 1974, ela passou a ser censurada nas dependências da Polícia Federal. Até então, a Veja tinha sido censurada na redação. Os censores iam até lá e liam. Mas quando entrou a Polícia Federal, a Veja passou a ser levada à casa dos censores.

AOL - E como foi aquele episódio em que o senhor teve de desligar os telefones da revista?
Carta - Nós iríamos sair com uma matéria sobre tortura. Era uma grande matéria comandada pela equipe de Raimundo Pereira. A equipe levantou mais de 150 casos de tortura e havia três casos contados em detalhe. Uma semana antes, nós tínhamos saído com uma capa sobre a posse do Médici (1969-1974) dizendo que ele não queria tortura. Fizemos uma puxação de saco com ele e, é lógico, já sabendo que viria em seguida a matéria com os casos de tortura. Queríamos só preparar o caminho. Mas aconteceu que a imprensa da época foi atrás da capa da Veja e começaram a dizer, durante toda aquela semana, que o Médici realmente não queria tortura. Por causa disso, saiu uma ordem, numa quinta-feira, de que o regime militar proibia qualquer referência ao assunto. E na sexta-feira [risos], eu mandei desligar os telefones da redação para não chegar essa ordem até nós. A revista saiu, mas foi recolhida nas bancas. Naquele tempo, não havia assinaturas. Ela ia para a banca e a censura passava recolhendo.

AOL - Como foi sua saída da Veja?
Carta - Havia uma pressão muito grande dos militares para que eu saísse. E a Editora Abril tinha uma dívida fora do Brasil, de 50 milhões de dólares. Eles pediram um empréstimo à Caixa Econômica Federal, mas era um empréstimo dentro da normalidade, eles o fereceram garantias suficientes. Só que era um pedido, evidentemente, que vinha de uma editora e, portanto, tinha conotações políticas. A Caixa Econômica aprovou o pedido, mas precisava do aval do ministro da Fazenda. Mas o ministro da Fazenda falou que precisava da permissão do ministro da Justiça e a coisa acabou na mão do Falcão [Armando Falcão, ministro da Justiça]. E o Falcão falou: "Nós vamos dar dinheiro para aqueles inimigos do governo, que publicam a revista Veja?" Então começou essa pressão.

AOL - E por isso Roberto Civita despediu o senhor?
Carta - Não, eu é que fui ao Civita. Além de dirigir a revista, eu era do conselho editorial da Abril, fazia parte do "board", como diziam eles. Bom, participava das reuniões e sabia de tudo. Nesta altura, fiquei penalizado com a situação deles. Em julho de 1975, falei para o Civita: "Eu saio. Durante dois ou três meses, fico por trás do pano, até as coisas ficarem bem. Depois, posso chefiar as sucursais da editora Abril na Europa. Para mim está ótimo".

AOL - E qual foi a resposta?
Carta - Ele não quis. Então, depois de uma semana, voltei a falar com ele: "Bem, se é para eu ficar aqui na Veja, vou continuar fazendo meu papel. Não vou ceder [à censura]". Ele respondeu que tudo bem. Então, como primeira medida, eu chamei o Plínio Marcos para fazer uma coluna de esportes, na qual você pode imaginar o que ele falava. É isso. Depois ofereci emprego a uma
pessoa que fazia parte do grupo do Vladimir Herzog. E voltei a falar com o Civita, que me perguntou o porquê de eu não tirar férias. Eu disse: "Está bem, eu tiro". E durante as minhas férias, eles se animaram. Quando eu voltei, o Civita me disse que eu tinha de mandar embora o Plínio Marcos. Eu respondi: "Não mando. Se tiver de mandar embora o Plínio Marcos, você manda
me manda embora junto com o Plínio". E ficou aquele "mando", "não mando" até que eu saí.

AOL - E com o Millôr Fernandes, foi a mesma coisa?
Carta - Ah, isso foi antes. Na época do Geisel, eu tinha negociado com o Falcão o fim da censura. Disse a eles: "Vocês querem fazer a abertura lenta, gradual, porém segura, então, tira a censura". O plano deles, teoricamente, era esse. O Golbery [do Couto e Silva] me disse isso. E, de fato, quatro dias depois que o Geisel tinha tomado posse, o Falcão me chamou até Brasília e disse que a censura sairia. Eu disse: "Tudo bem, mas isso não me implica nenhum tipo de compromisso?" Ele respondeu que não. Eu voltei e já saímos com uma capa sobre os exilados. Isso causou certos problemas. Depois trouxemos uma matéria sobre os 10 anos do Golpe, o que nos trouxe mais problemas ainda. Até então não havia a censura. Mas aí veio uma charge do Millôr, que tinha uma seção na Veja. A censura voltou com tudo e, a partir daquele momento, veio aquela época a qual me referi antes, de precisar mandar a matéria para a Polícia Federal.

AOL - O Roberto Civita chegou a mandar o Millôr Fernades embora por conta disso?
Carta - Não. Imagine: ele ofereceu a cabeça do Millôr Fernandes ao Golbery. O Golbery disse a ele: "Não. Eu não estou te pedindo isso". Esse era o Roberto. O Golbery não conhecia que... Isso eu contei muito no meu primeiro livro [O castelo de âmbar, Editora Record]. Está lá, está tudo lá. E nunca foi desmentido porque não há como desmentir. Aquilo lá é a sacrossanta verdade factual.

AOL - Uma das coisas que o sr. conta no livro é de que foi o general Golbery quem o avisou que o ministro da Justiça Silvio Frota iria cair no dia 12 de outubro de 1977. O sr. Já conseguiu descobrir o porquê desta data?
Carta - Não. Até hoje nunca descobri. Mas só voltando à questão da censura, isso é um assunto que sempre mexe comigo. Pior do que Veja, foi a situação dos alternativos. Veja certamente foi censurada de uma forma duríssima. Pior ainda foi com os alternativos. Os jornais alternativos, digo, o Opinião -aliás, naquele tempo já era o Movimento -, o Pasquim, o jornal do D. Paulo (Evaristo Arns), da Cúria de São Paulo, enfim... Todo esse tipo de publicação tinha de mandar o material para Brasília. Nós, na Veja, mandávamos para a rua Xavier de Toledo, de segunda à sexta-feira, e para casa dos censores, aos sábados. Mas os donos dos jornais alternativos tinham de mandar para Brasília. Todo o material. Então, alguém pegava uma pasta, levava até Brasília, entregava. Aí, os caras faziam mil sacanagens, devolviam o material e alguém colocava no avião e voltava para o Rio, ou para São Paulo. Era ainda pior. Eu não conheço censura deste tipo, na história do século passado, em nenhum lugar assim. No tempo do fascismo e do nazismo não era assim. Os censores iam para as redações.

AOL - A impressão que dá é que, apesar de toda a censura, naquele tempo o jornalismo era mais crítico.
Carta - Sem dúvida. A busca da entrelinha era real. Havia muitos jornalistas que tentavam enfiar nas entrelinhas algumas coisas. Às vezes, era algo que só a mãe dele percebia, mas não tem importância. Havia pelo menos esse esforço. Diria que era um jornalismo melhor do que hoje.

AOL - O sr. fala como se tivesse perdido o idealismo daquela época.
Carta - Não. Eu sou muito otimista na ação. Tanto que temos aqui a melhor redação que eu dirigi na vida. Sou otimista na ação, sou otimista em todas as bolas, mas não deixo de ser muito cético em relação ao País. Porque há uma sociedade ruim, má e um povo resignado. Então, é difícil você tirar disso alguma esperança para o atual futuro.

AOL - Afinal, os militares da época não tinham contas nas ilhas Cay man.
Carta - Evidentemente, havia gente corrupta. Mas era gente menos voltada para este aspecto, para essa questão. Neste aspecto, a culpa deles foi ter protegido muitos corruptos. O Golbery, que certamente teve um papel muito importante para o bem e, sobretudo, para o mal, ele é um homem que morreu pobre, que nunca teve nada. Não era esse o ponto. Agora, ele tinha uns amigos do capeta. É muito simbólica essa maneira de ver as coisas. O Andreazza [general Mario Andreazza] também é outro acusado de não sei o quê. Pois morreu e os amigos tiveram de fazer uma vaquinha para o enterro. Mas, certamente, ele tinha uma tranca de amigos muito perigosos.

AOL - E quais são os nomes desses amigos perigosos?
Carta - É melhor silenciar... Há referências a todos em O castelo de âmbar.



Fonte: AOL