terça-feira, 29 de maio de 2007

“A Contracultura na América do Sol”:
O Underground Brasileiro na perspectiva de Luiz Carlos Maciel

por Patrícia Marcondes de Barros

Jornalista, dramaturgo, roteirista de cinema, filósofo, poeta e escritor. Apesar de sua vasta atuação no cenário cultural brasileiro, Luiz Carlos Maciel é comumente lembrado por sua participação no Pasquim, com a coluna Underground, quando então escrevia artigos sobre os movimentos alternativos que eclodiam no mundo, assim como as manifestações anteriores que lhes serviram de base, como o romantismo, o surrealismo, o existencialismo sartreano, a literatura da Beat Generation, o marxismo, entre muitos horizontes (re)descobertos na época. Este trabalho de difusão da contracultura lhe valeu o estereótipo de “guru da contracultura brasileira”.

Incursões de Luiz Carlos Maciel
na imprensa alternativa

Pasquim, coluna Underground (1969-1971)

Luiz Carlos Maciel foi convidado pelo jornalista Tarso de Castro a participar do semanário O Pasquim e lançava em 1969, a coluna Underground.

O Pasquim foi fundado por Sérgio Cabral, Jaguar e Tarso de Castro, no Rio de Janeiro, seis meses após o governo militar decretar o Ato Institucional n.º 5, acabando, assim, com a chamada liberdade de imprensa. Seu primeiro número chegou às bancas no dia 26 de junho de 1969. Era primeiramente considerado um jornal de bairro, no caso, de Ipanema, denominado por muitos como um “jornal de costumes” que conseguiu em poucas semanas emplacar 200 mil exemplares e alcançar rapidamente leitores de vários pontos do país com sua linha editorial irônica.

Os artigos eram variados, assim como a abordagem de cada membro da “patota”. A linhagem ideológica eclética do grupo acabava por definir uma identidade para o jornal.

Segundo Henfil, O Pasquim funcionava como uma espécie de time de onze garrinchas que tinham uma linha política mais ou menos comum, embora um jogue mais recuado, outro avance bem mais, outro só lance. O ponto chave desse jogo é o humor e nisso as individualidades acabavam por se compatibilizar.

O Pasquim inovou o jornalismo brasileiro, se impondo não apenas através do humor, mas também da criatividade e da quebra de formalidades, tendo como alvos a ditadura, a classe média moralista, a grande imprensa e todos os coniventes de plantão.

Maciel, na primeira fase do Pasquim, com a coluna Underground (que podemos datar até sua prisão em 1970), tinha uma curiosidade pela contracultura movida por propósitos meramente jornalísticos. Depois da sua prisão, em 1971, resolveu se aprofundar nas idéias contraculturais, assumindo-se como um hippie. Morou em comunidades, na praia e, por fim, na roça (quando percebera finalmente que era um homem alternativo, porém urbano).

O termo contracultura era sentido no Brasil como algo exótico, uma curiosidade vinda dos Estados Unidos (que induzia a crítica de setores ideológicos da esquerda tradicional, descrentes de sua ideologia revolucionária, considerada subjetiva e individualista).

A parte majoritária do Pasquim compartilhava de uma visão tradicional de esquerda. Para eles, o tema contracultura era associado a um descompromisso, um “desbunde”, advindo do movimento hippie norte-americano (ou seja, uma expressão do imperialismo norte-americano no Brasil).
Com o tempo, a coluna Underground foi perdendo seu espaço dentro do Pasquim, devido ao confronto ideológico que causava, proporcionando uma cisão interna.

A Flor do Mal (1971)

Juntamente com os poetas Tito de Lemos, Torquato Mendonça e Rogério Duarte, Maciel fundou A Flor do Mal (1971), um dos primeiros jornais contraculturais brasileiros.

Para Maciel, A Flor do Mal representava um momento de liberdade extrema, justamente num momento que a supressão da mesma era intensa. O jornal era escrito à mão, numa busca de espontaneísmo total, de eliminação de filtros mecânicos, ideológicos, o que deu ao jornal um perceptível traço de surrealismo.

A capa do primeiro número de A Flor do Mal continha um texto de Baudelaire sobre a imprensa e a foto de uma menina negra sorrindo, despida do peito para cima, representando a pureza espiritual a que ansiavam. Esta iniciativa durou apenas cinco números, contudo, sua tiragem era de 40 mil exemplares, dos quais vendia-se metade. As características inerentes aos jornais alternativos da época eram, geralmente, a falta de dinheiro, o público restrito e a efêmera existência. A Flor do Mal, apesar do curto período de circulação, obteve grandes considerações no meio underground brasileiro.

Seu conteúdo contemplava poesias em versos, poemas em prosa e alguns textos considerados por muitos como absurdos. Poetas da geração mimeógrafo publicaram seus primeiros poemas nesse jornal. De acordo com Maciel, “na Flor podia-se fazer o que desse na veneta”.

Rolling Stone (1972)

No final do ano de 1971, Maciel foi procurado pelo inglês Mick Killingbeck, que veio ao Brasil para trabalhar como físico nuclear, mas que cultivava intimamente um amor pelo rock’n’roll. Conseguiu assim, os direitos da revista Rolling Stone, grande sucesso nos Estados Unidos, para editá-la no Brasil. Maciel foi então solicitado pelo seu interesse na Contracultura e passou a editar a revista no Brasil.

O número zero saiu em 1972, contendo uma longa matéria escrita por Maciel sobre a vinda do grupo de rock Santana ao Brasil, uma crítica de Mick ao show FA-TAL de Gal Costa, uma saudação à volta de Caetano ao Rio de Janeiro através de uma poesia de Maciel, e entrevistas com o próprio Caetano e Jorge Mautner.

A partir dessa entrevista, Maciel estreitou sua amizade com Mautner, considerado pelo mesmo como “veterano do desbunde”, pois vinha da fase da beat generation dos anos 50 e foi, talvez, o primeiro beatnick brasileiro com a obra Deus da Chuva e da Morte (1958).
A experiência com a revista, contudo, foi breve, acabando por questões financeiras. Logo Maciel se reúne com Jorge Mautner na tentativa de fazer uma nova revista underground no Brasil. Surge, então, o projeto da revista KAOS, em 1971.

KAOS (1971)

Nos anos 50, Mautner tinha lançado o movimento do KAOS com “K”, que consistia na subversão e na contestação dos valores vigentes – não apenas políticos, econômicos e sociais, mas principalmente morais, psicológicos e existenciais. É com esse intuito que a revista surge em idéia, contando também com a participação de Caetano Veloso.

Fizeram um release da idéia em forma de gravação, comentando, através de um “bate-papo” informal, as principais propostas e mandaram para jornais e revistas. A idéia não só foi negada por todas estas instâncias, como também, estereotipada como uma iniciativa hippie, contracultural, associada a uma “maluquice sem propósitos sérios”.

Para Maciel, o intuito central da imprensa alternativa comum a todas as iniciativas era o de combater o poder absoluto da mídia, que se quer imparcial de uma realidade objetiva, mas que atende inescrupulosamente a interesses determinados.

O pensamento de Luiz Carlos Maciel deixa a lição de que não podemos creditar à ação política e a qualquer outro processo de natureza coletiva a função de construir um mundo e uma vida com condições materiais e espirituais mais elevadas, só restando o caminho da experiência pessoal, o de cada um inventar sua própria vida através de uma sanidade física e mental, para a formação de uma nova consciência, de uma contracultura que nos tire da apatia do mundo virtual da realidade.

Lembrar a contracultura dos anos 60, segundo Maciel, pode ser mais do que mero saudosismo: pode nos ajudar a tomada de consciência de uma decadência que parece inevitável, mas que não é historicamente necessária. É sempre possível retomar os caminhos da liberdade. Não se trata de repetir a aventura de então, pois cada momento é único. Trata-se de, finalmente tomar conhecimento de suas lições e reinventar novas formas de existência.


quinta-feira, 24 de maio de 2007

IMPRENSA ALTERNATIVA - PASSADO E FUTURO


O Observatório da Imprensa do dia 22 de agosto de 2006 falou sobre os jornais alternativos que, durante a ditadura, combateram a censura com humor e criatividade. O jornal O Sol, que hoje tem sua história contada nas telas de cinema, é um exemplo desses meios de comunicação que, com inteligência e coragem, marcaram uma geração.

Alberto Dines, em seu editorial, disse: “Quando nasce um jornal, alguma coisa acontece. A própria invenção da imprensa causou uma profunda alteração na sociedade européia. Nosso primeiro periódico sem censura, o "Correio Braziliense", abriu caminho para a independência. A fundação do "Estado de S. Paulo" antecipou a abolição. Quando nasce um jornal, alguma coisa sempre acontece. Está nas telas dos cinemas um filme que é também um pedaço da história moderna do Brasil. O protagonista deste filme é um jornal, O Sol. O primeiro jornal alternativo moderno. Lançado em setembro de 1967 para enfrentar a ditadura e o conformismo da grande imprensa, O Sol durou poucos meses, foi até janeiro do ano seguinte, mas algo aconteceu: criou-se o paradigma da renovação e da imprensa de resistência, mais tarde batizada como imprensa nanica ou udigrude, de underground, ou ainda de imprensa alternativa. Hoje, nascem jornais mas nada acontece. São novos produtos dos mesmos grupos empresariais, raramente são projetos de mudança. Inspirado na experiência do Sol, o Observatório da Imprensa discute hoje a falta que faz O Sol. Hoje estamos à sombra da Internet. Tudo o que é novo começa na Internet. Será que é a mesma coisa?

Participaram do programa no Rio, o jornalista e escritor José Maria Rabêlo e o colunista de tecnologia do Globo e do Globo Online, Carlos Alberto Teixeira; em Brasília, o jornalista Reynaldo Jardim e, em São Paulo, o diretor executivo da Revista Reportagem, Raimundo Pereira.

José Maria Rabêlo contou sua experiência como criador do extinto jornal Binômio: “Esses acontecimentos da história surgem sem que a gente tenha pretensão nenhuma. Éramos dois jornalistas muito jovens. O que nos desagradava muito era o clima de unanimidade da imprensa mineira, totalmente controlada pelo Palácio da Liberdade. Então, nós resolvemos lançar um jornal que dissesse algo diferente, mas não tínhamos recursos para fazer um jornal diário. Fizemos humor e a concisão do humor ajuda muito. Uma piada demole uma reputação, mais do que um artigo! O Juscelino lançou o programa Binômio Energia e Transporte e só se falava nisso em Minas Gerais. Então, contra o binômio da mentira e propaganda, Energia e Transporte, o binômio da verdade, sombra e água fresca. Isso teve uma repercussão enorme, amor à primeira vista com o estado, com a cidade. Nós, que não imaginávamos que estávamos fazendo algo duradouro, percebemos que tínhamos na mão um instrumento político muito importante, que durou doze anos até ser fechado em 64 pela ditadura militar.”

Reynaldo Jardim falou sobre o jornal O Sol, o qual ajudou a construir: “O Sol nasceu da constatação de que as escolas jornalísticas não ensinavam jornalismo, a fazer jornal. Então, eu queria fazer uma faculdade de jornalismo que, na prática, editasse um jornal diário, profissional. Por motivos empresariais, a faculdade não deu certo, mas saiu o jornal. Ele era formado por jovens universitários e os editores eram profissionais já consagrados. A Tetê Moraes resolveu transformar essa experiência do Sol e a vida daquela época em um documentário que, realmente, ficou muito emocionante e fantástico. Acho que deveria ser visto por todos os universitários e jornalistas, porque mostra um tipo de jornal e de jornalista totalmente diferente do jornalismo de hoje.”

Raimundo Pereira argumentou a respeito da Internet como novo meio de comunicação: “A grande possibilidade que a Internet cria é de cada leitor ser também um agente. Então, por essa razão, que nós começamos a trabalhar com a Internet há muitos anos, porque é um instrumento novo. Ela também apresenta problemas, que são comuns, assim como a imprensa escrita. A banca de jornais é um caos e a Internet não é diferente. É um caos de informação e que desperta algumas ilusões por parte de alguns que acreditam que qualquer um pode fazer um trabalho de informação relevante. Isso não é verdade, porque para cobrir o conjunto de acontecimentos, para dar uma visão mais razoável das coisas, precisa de organização, recursos. Então, se tem os mesmos problemas que existem para fazer um jornal diário.”

Carlos Alberto Teixeira falou das possíveis mudanças na imprensa do futuro: “Eu acho que a tendência é que jornais com sites na Internet não precisem ter essa perna fora do mundo do computador. Existem algumas profecias de qual será o futuro da imprensa. Basicamente, ela vai passar a funcionar como uma mídia viral, no sentido do contágio. Um blog pode sobressair em relação a outro, em função das indicações, dos links. Um blog muito linkado acaba por ter uma confiabilidade maior. A partir do momento que você tem o Google permitindo pesquisa e busca no grande acervo de informações espalhado no site e também, redes sociais como o Orkut, onde as pessoas se relacionam, você vai pode ter, no futuro, um jornal, um texto jornalístico para cada leitor, associando isso ao fato de que computadores vão estar escrevendo notícias, mesmo achatadas e sem adjetivos. Nessa profecia, a tendência é que jornais de papel deixem de existir.


domingo, 20 de maio de 2007

Jornal Gay na Ditadura - Lampião

SIMÕES JR.,Almerindo Cardoso

Darcy Penteado


No fim dos anos 70, o quadro político brasileiro estava em profunda transformação. A chegada de exilados políticos, em contato com as correntes de revolução sexual, em especial na Europa e nos Estados Unidos, trazia um enorme desejo de mudança e a possibilidade de uma retomada na produção do discurso considerado não prioritário.

Crescia no Brasil também o movimento de esquerda, e, a ele, em princípio, estavam ligados também os discursos de gays e lésbicas. Com o avanço do movimento de esquerda, porém, as lutas dos movimentos homossexuais, da mulher e dos negros passam a ser consideradas minoritárias, um combate menor que deveria ser pensado em um momento posterior (Trevisan, 2002, p.338). Importava a luta maior, a batalha do operariado contra as forças opressoras capitalistas. Todas as outras formas de luta estavam, então, relegadas a segundo plano. Outro fator preponderante era a ligação entre o movimento de esquerda e a ala progressista da Igreja católica, o que não abria possibilidade para discussões sobre temas que interessavam às minorias como aborto, liberdade sexual, divórcio e homossexualidade.

Em fins de 1977, um grupo de jornalistas, intelectuais e artistas se reúne na casa do pintor Darcy Penteado em São Paulo. Animados com a entrevista de Wiston Leyland, editor do Gay Sunshine, surge a idéia da “criação de um jornal feito por e com o ponto de vista de homossexuais, que discutisse os mais diversos temas e fosse vendido mensalmente nas bancas de todo o país” (Trevisan, 2002, p.338). Assim nascia o Lampião, que, segundo Green (1999, p.430), tinha “um título sugestivo da vida gay de rua, mas que aludia também à figura do rei do cangaço”. Em edição de Isto é de dezembro de 1977, Aguinaldo Silva, um dos editores do jornal anuncia o título do mesmo e o porquê da escolha do nome:

O nome do jornal? Há uma lista imensa, mas o que me agrada é Lampião: primeiro, porque subverte de saída a coisa machista (um jornal de bicha com nome de cangaceiro?); segundo pela idéia de luz, caminho, etc.; e terceiro, pelo fato de ter sido Lampião um personagem até hoje não suficientemente explicado (olha aí outro que não saiu das sombras) (Isto é. n.53, p.14, dez.1977).

O jornal, em tamanho tablóide, era impresso em cores neutras. Trazia reportagens com personalidades não necessariamente homossexuais, contos, críticas literárias, de teatro ou cinema. Grande destaque era dado às cartas dos leitores, que se tornavam legítimos espaços de visibilidade para a comunidade. Pequenas notas contra os atos preconceituosos da sociedade eram constantes, assim como ataques diretos a homófobos ou a quem agisse de modo politicamente incorreto em relação aos homossexuais. A linguagem “era comumente a mesma linguagem desmunhecada e desabusada do gueto homossexual” (Trevisan, 2002, p.339).

Assumir e orgulhar-se de sua homossexualidade, sair dos guetos, transitar como qualquer outro cidadão, ter livre arbítrio para escolher lugares de lazer, e, acima de tudo, exprimir livremente sua sexualidade são temas constantes em Lampião. Em especial no primeiro ano de sua existência (1978), esta é a tônica do jornal. Em 1979, o orgulho de assumir identidades homossexuais é associado a questões políticas que emergem no panorama brasileiro. 1980 traz discursos homossexuais ligados a movimentos de conscientização homossexual, buscando o seu lugar dentro de um panorama político. Embora não compactuasse com a postura dos militares, a esquerda considerava as questões homossexuais como parte de uma ‘luta menor’. Nesse ano ocorre em São Paulo o I Encontro Nacional de Gays e Lésbicas e não se poder negar a importância do jornal enquanto elemento articulador e divulgador deste evento. Rodrigues (2004, p.285) argumenta, porém, que o mesmo interesse pelo ativismo político que impulsionou o surgimento do jornal foi um dos maiores responsáveis pelo fechamento do mesmo:

É interessante observar que o interesse pelo ativismo político que deu o pontapé inicial para a concretização do jornal vai ser uma das causas pelo (sic) fechamento do jornal. As lutas internas, editoriais, em torno de qual identidade seguir e a possibilidade de um burocratização do movimento ‘guei’ acabaram por descaracterizar o jornal, levando a uma sensível diminuição nas vendas dos exemplares.

A necessidade maior, portanto, além de sair do gueto, era dar voz a uma minoria, servir como veículo de comunicação livre das pressões e/ou visões estabelecidas por outros órgãos de imprensa. Na verdade, boa parte dos participantes do conselho editorial era de jornalistas ou de pessoas ligadas às artes e cultura em geral, mas que percebiam enorme interdição discursiva ao sugerir o tema homossexualidade. Isso é claramente observado num texto do editorial de número 4 do jornal, escrito por Darcy Penteado. Nele, o pintor responde a uma escritora amiga alcunhada de darling (pode-se perceber o jogo de palavras, já que a mesma, querida em inglês, é usada no meio homossexual e pode ter conotação pejorativa). A referida darling, que pode ser uma personagem imaginária, usada para reafirmar a posição do jornal, numa das reuniões do grupo do conselho editorial havia mencionado que não se fazia necessária a existência de um jornal homossexual, o que só aumentaria a discriminação. Segunda ela, os autores poderiam expor suas idéias nas colunas dos jornais onde escreviam. O trecho/resposta de Darcy vem a seguir:

Darling, como você é ingênua!... Somos aceitos nos outros veículos pela nossa capacidade profissional que – apesar de sermos homossexuais, é também útil ao sistema. Portanto, são eles que nos usam e não o contrário. Nossa opinião é aceita desde que não contradiga as normas: dão-nos às vezes umas colheres de chá e com elas conseguimos encher até pratos de sopa, mas se transbordarmos e sujarmos a toalha... já viu, não é? Você acha, por exemplo, que tudo isto que temos dito e continuaremos dizendo nas páginas de LAMPIÃO teria vez na imprensa hetero? A palavra ‘homossexualismo’ e suas decorrentes chegam a ser proibidas ainda em alguns jornais. A citação ‘lésbica’ foi cortada do artigo de um dos nossos colaboradores para um tablóide da imprensa alternativa. Vários desses mesmos tablóides que se apregoam contrários ao poder estabelecido, portanto vanguardistas políticos, negam a vez e a participação aos assuntos sexuais ‘por não serem prioritários’, e assim por diante. As exceções são abertas mais a serviço do machismo ou quando ajudam no faturamento, porque homossexualismo também virou consumo: “HOMOSSEXUAL atropelado quando atravessava a rua”, “cachorro de HOMOSSEXUAL investe contra deputado”, “ANORMAL tenta seduzir rapaz e é agredido”, etc., etc.
Ainda achamos que a melhor forma de se respeitar a integridade alheia e de se fazer respeitado é expor às claras as próprias verdades. Tínhamos então o ideal e a coragem, mas faltava-nos o veículo, até que LAMPIÃO criou essa possibilidade para nós e para os milhares de outros de quem esperamos ser esse jornal um porta-voz. Portanto, darling, aqui estão algumas das muitas razões de LAMPIÃO ter sido aceso, no momento exato e necessário (n.4, p.2, ago. 1978).


Pode-se perceber na análise dessa carta três posições discursivas do escritor/autor da mesma. Em primeiro lugar, ele se inclui no movimento homossexual quando diz “Somos aceitos nos outros veículos pela nossa capacidade profissional (...)”. Num segundo momento, ele observa o movimento como alguém de fora, quando afirma “A palavra ‘homossexualismo’ e suas decorrentes chegam a ser proibidas ainda em alguns jornais”. Num terceiro ato, ele menciona a posição do jornal, completando uma série de assertivas que podem servir para uma melhor visão da formação ideológica do jornal. Tal exemplo se encontra em “Portanto, darling, aqui estão algumas das muitas razões de LAMPIÃO ter sido aceso, no momento exato e necessário”.

Concomitantemente ao período de circulação do Lampião, várias outras vozes se fizeram ouvir enquanto ecos do discurso homossexual. Além de pequenos jornais que circularam em âmbito local, vários grupos organizados surgiram. O Somos, com sede em São Paulo, mas com filiais em várias outras cidades do Brasil, foi o maior deles. O Grupo Gay da Bahia, integrado por Luiz Mott, mencionado também no jornal, é atuante até os dias de hoje. Não é difícil achar, nas páginas do Lampião, referências a vários outros desses grupos: Auê no Rio de Janeiro e em outras cidades, Eros em São Paulo, Facção Lésbico-Feminista em São Paulo, Libertos em Guarulhos, Beijo Livre em Brasília, Terceiro Ato em Belo Horizonte, Fração Gay da Convergência Socialista em São Paulo, dentre inúmeros outros. Eventos de maior porte, dando visibilidade não só aos homossexuais, mas às minorias em geral são organizados e noticiados: A semana de minorias que reuniu negros, mulheres e homossexuais ocorrida na USP e noticiada em no número 10 de Lampião, em março de 1979; o Encontro Nacional de Mulheres, noticiado no mês seguinte; o I EBHO – Encontro Brasileiro de Homossexuais, ocorrido em maio de 1980, todos parte do processo da “briga da esquerda maior contra a esquerda menor” (Lampião. n.23, p.6, abr. 1980).O panorama histórico, o contexto social, o enfraquecimento da ditadura, as várias vozes que ecoam são, dentre outros, fatores que preparam um terreno fértil para o processo de afirmação de identidades e construção de memórias que perduram até os nossos dias.


sexta-feira, 18 de maio de 2007

Blog x Jornalismo – o que vem por aí?

Virginia Lencastre

O Blog é uma ferramenta de publicação pessoal, que até pouco tempo, podia ser definido apenas como uma espécie de “diário” eletrônico. Qualquer usuário pode ter seu espaço virtual, captando informações por diferentes mídias e construindo uma forma de “poder comunitário”. Produz-se conteúdo, independente da imprensa convencional.

Temos a necessidade de informar e nos mantermos informados, o que estimula a proliferação destes espaços. A mídia já não cobre todas as nossas áreas de interesse, por isso a mudança para o ambiente on line. Cidadãos estão assumindo um papel ativo como comentaristas, editores e produtores de textos noticiosos. O jornalista não é mais o “dono da informação”, da fonte, do furo.

Leitores de blogs encontram dados que não estão presentes na grande mídia, buscando uma porta aberta ao debate.

Outrora os blogueiros estavam preocupados em compartilhar suas experiências pessoais ao invés de produzir textos jornalísticos. Hoje, o blog vem ganhando mais e mais recursos, transformando-se num verdadeiro veículo de comunicação, capaz de chegar a lugares e situações difíceis de serem alcançados. Adquiriu muitos adeptos e tornou-se uma espécie de “bem coletivo”. Cabe a nós refletirmos que caminhos existirão no futuro.

Em 2004, dois jovens vinculados ao Instituto Poynter (Centro de Estudos sobre Jornalismo on line), criaram um documentário/ficção de 8 minutos, intitulado “EPIC 2014”, que antecipa um cenário caótico no processo de jornalismo mundial.

Segundo Robin Sloan e Matt Thompson, três grandes empresas, a Microsoft, Google e Amazon, assumem o comando das informações e passam a manipular o universo virtual da notícia, e, por conseguinte, nossas vidas. A imprensa, como conhecemos, deixa de existir e surge um novo sistema, personalizado, que filtra e prioriza o que recebemos, não tendo qualquer relação com a ética midiática. O vídeo deixa no ar a seguinte pergunta: o que pode acontecer ao jornalismo e a informação nos próximos anos?

Assistam ao documentário ficção "EPIC 2014", clicando na foto do criador da world wide web - Tim Berners-Lee:



Tradução de “EPIC 2014”:


“No ano 2014 as pessoas têm acesso a uma variedade e profundidade de informações que seriam inimagináveis em épocas passadas.
Todos contribuem de alguma maneira.
Todos participam para criar um mundo de mídia vivo e pulsante. No entanto, a Imprensa, como você a conhece, deixou de existir. As fortunas do Quarto Poder se foram. As empresas de notícias do Século XX mudaram muito, uma reminiscência solitária de um passado não tão distante.
A estrada para 2014 começou em meados do Século XX.
Em 1989, Tim Berners-Lee, um cientista de computação do laboratório de física de partículas CERN, na Suíça, inventou a World Wide Web.
1994 vê a fundação da Amazon.com. Seu jovem criador sonha com uma loja que vende de tudo. O modelo da Amazon, que viria depois a estabelecer o padrão para vendas pela Internet, é baseado em recomendações personalizadas automáticas – uma loja que pode oferecer sugestões.
Em 1998, dois programadores de Stanford criam o Google. Seu algoritmo é um eco da linguagem da Amazon, tratando links como recomendações e, a partir deste fundamento, impulsiona a mais efetiva máquina de busca do mundo.
Em 1999, TiVo transforma a televisão, libertando-a das restrições do tempo – e dos comerciais. Quase ninguém que experimenta volta atrás.
Naquele ano, uma empresa "ponto-com" iniciante chamada Pyra Labs lança o Blogger, uma ferramenta pessoal de publicação.
Friendster é lançado em 2002 e centenas de milhares de jovens avançam para povoá-lo com mapas incrivelmente detalhados de suas vidas, seus interesses e suas redes sociais. Também em 2002, Google lança o Google News, um portal de notícias. As redes de notícias reclamam. Google News é editado inteiramente por computadores.
Em 2003, Google compra o Blogger. Os planos da Google são um mistério, mas seu interesse pelo Blogger não é sem razão.
2003 é o Ano do Blog.
2004 seria lembrado como o ano em que tudo começou.
A Revista Reason envia aos seus assinantes um exemplar que traz na capa uma foto-satélite de suas casas, contendo informações personalizadamente direcionadas para cada assinante.
Sony e Phillips lançam o primeiro jornal eletrônico do mundo produzido em larga escala.
Google lança o Gmail, com um Gigabyte de espaço gratuito para cada usuário.
Microsoft lança o Newsbot, um filtro de notícias sociais.
Amazon lança o A9, uma máquina de busca baseada em tecnologia Google que também incorpora as recomendações da Amazon, sua marca registrada.
E então, Google lança suas ações na bolsa.
Com novo capital sobrando, a companhia faz uma grande aquisição. Google compra a TiVo.
2005 – Em resposta aos recentes lances da Google, a Microsoft compra a Friendster.
2006 – Google combina todos os seus serviços – TiVo, Blogger, Google News e todas as suas buscas em algo chamado Google Grid, uma plataforma universal que oferece uma quantidade funcionalmente ilimitada de espaço para armazenamento e largura de banda, para compartilhar e armazenar mídias de todo tipo. Sempre online, acessível de qualquer lugar. Cada usuário seleciona seu próprio nível de privacidade, podendo armazenar seu conteúdo com segurança no Google Grid, ou publicá-lo para que todos o vejam. Nunca foi tão fácil para qualquer um, para todos, criar e consumir mídia.
2007 – A Microsoft responde ao crescente desafio da Google com o Newsbotster, uma rede de notícias sociais e uma plataforma de jornalismo participativo. Newsbotster gradua e ordena notícias, baseado no que estão lendo e vendo os amigos e colegas de cada usuário, permitindo que todos comentem sobre o que vêem.
O ePaper da Sony é mais barato do que o papel real neste ano. É o meio escolhido para o Newsbotster.
2008 vê surgir a aliança que desafiará as ambições da Microsoft. Google e Amazon juntam forças para formar a Googlezon. Google fornece o Google Grid aliado a uma tecnologia de busca insuperável. Amazon fornece a máquina de recomendações sociais e sua gigantesca infra-estrutura comercial. Juntos, eles utilizam os conhecimentos detalhados sobre a rede social de cada usuário, dados demográficos, interesses e hábitos de consumo para prover uma personalização total de conteúdo e de propagandas.
A Guerra das Notícias de 2010 é particularmente notável, pois nenhuma rede de notícias dela participa.
Googlezon finalmente dá um xeque-mate na Microsoft, oferecendo facilidades que a gigante do software não pode igualar. Utilizando um novo algoritmo, os computadores da Googlezon constroem novas matérias e artigos dinamicamente, pinçando sentenças e fatos de todas as fontes de conteúdo e recombinando-as. O computador escreve um novo texto para cada usuário.
Em 2011, o dormente Quarto Poder desperta para tomar uma drástica decisão. A empresa The New York Times processa judicialmente a Google, alegando que os robôs capturadores de fatos da companhia são uma violação à lei de direitos autorais. O caso vai até a Suprema Corte que, em 4 de agosto de 2011 dá ganho de causa à Googlezon.
No domingo, nove de março de 2014, Googlezon lança o EPIC.
Bem-vindo ao nosso mundo.
EPIC vale por "Evolving Personalized Information Construct", um sistema pelo qual nosso vasto e caótico universo de mídia é filtrado, ordenado e transmitido. Todos contribuem agora – desde entradas de blog, até imagens de câmeras de telefones, passando por reportagens em vídeo e investigações completas. Muitas pessoas são pagas também – uma pequena fatia do imenso faturamento da Googlezon, proporcional à popularidade das contribuições de cada um.
EPIC produz um pacote de conteúdo personalizado para cada usuário, utilizando suas escolhas, seus hábitos de consumo, seus interesses, seus dados demográficos, sua rede social – para moldar o produto.
Surge uma nova geração de editores-freelance, pessoas que vendem sua habilidade de se conectar, filtrar e priorizar o conteúdo do EPIC.
Todos nós recebemos conteúdo de vários editores; EPIC nos permite mesclar e comparar suas escolhas sejam elas quais forem. Na melhor das hipóteses, editado para os leitores mais capacitados, EPIC é um resumo do mundo – mais profundo, mais amplo e com mais nuances do que qualquer coisa antes disponível. Mas na pior das hipóteses, e para gente demais, EPIC é meramente uma coleção de curiosidades, em sua maioria inverídica, um conjunto de informações inteiramente estreita, superficial e sensacionalista. Mas EPIC é o que queríamos, é o que escolhemos. E seu sucesso comercial abafou quaisquer discussões sobre mídia e democracia, ou ética jornalística. Hoje, em 2014, The New York Times deixou de estar online, num débil protesto contra a hegemonia da Googlezon, o Times se tornou um jornal exclusivamente impresso destinado apenas à elite e aos mais velhos. Mas talvez houvesse um outro jeito. “

quarta-feira, 16 de maio de 2007

"Brasil Mulher" e "Nós Mulheres":
origens da imprensa feminista brasileira

Este artigo apresenta algumas reflexões sobre a imprensa feminista alternativa que surgiu no Estado de São Paulo, Brasil, na segunda metade dos anos 1970. Essa imprensa se tornou um espaço de expressão de uma linha política intimamente vinculada ao despertar das mulheres para as idéias feministas do período posterior à luta armada contra a ditadura no Brasil. Os jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres retrataram, em seus artigos e editoriais, a luta pela anistia, pelas creches e pelas liberdades democráticas - todos símbolos da oposição contra o regime no período da ditadura militar. Além disso, eles incluíam matérias específicas, tais como violência doméstica, condições de trabalho das mulheres, direitos reprodutivos, aborto e sexualidade. Do ponto de vista do movimento popular e das organizações de mulheres, essa imprensa constitui, sem sombra de dúvida, uma fonte importante e ainda inexplorada para compreender o período considerado.

Rosalina de Santa Cruz Leite
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

O texto recupera a história dos primeiros jornais nacionais dirigidos às mulheres e feitos por mulheres 1 no período pós-1975: o Brasil Mulher e o Nós Mulheres. O surgimento desses jornais e os princípios por eles defendidos estão relacionados ao contexto histórico do país e ao movimento feminista nacional, destacando-se o seu compromisso com uma nova linguagem, e com a difusão de reivindicações e propostas diretamente relacionadas com a condição das mulheres.

Inicialmente vale ressaltar que, durante os anos do governo militar, surgiu no Brasil um tipo de imprensa denominada democrática ou alternativa por uns, e, por outros, de imprensa nanica. Esses jornais, com formato tablóide e muitas vezes de tiragem irregular e circulação restrita, eram vendidos em bancas, porém a venda mais significativa ocorria no âmbito da militância. Tratava-se de uma imprensa com características de esquerda e de oposição ao regime, artesanal e comercializada, prioritariamente, mão a mão, ou seja, através da venda por militantes dos movimentos populares em eventos ou nas sedes das próprias organizações.

Essa imprensa era representada por jornais de vários tipos e de diferentes tendências políticas, entre os quais podemos citar Pasquim, Opinião, Movimento e Em Tempo, com posições e informações fundamentalmente políticas, e Versus, Ovelha Negra, Lampião e De Fato, com orientação cultural, sexual e ideológica.

Na fase de maior efervescência política e de abrandamento da censura, cresce essa imprensa alternativa e aparecem também dois jornais feministas em São Paulo: O Brasil Mulher e o Nós Mulheres. De acordo com Maria Paula Araújo, esses jornais feministas foram inovadores não apenas em termos de linguagem, de reivindicações e de propostas, mas também na forma de divulgar uma visão de mundo e uma nova concepção de política.2



Fonte: Revista Estudos Feministas

terça-feira, 15 de maio de 2007

RÁDIO COMUNITÁRIA X RÁDIO PIRATA

Camila Escudero

De grande alcance — especialmente entre as populações de menor poder aquisitivo e de regiões distantes dos centros urbanos —, excelente prestador de serviço e formador de opinião, o rádio é um dos mais importantes meios de comunicação. Todos esses fatores positivos deveriam ser, pelo menos em tese, amplificados pelas rádios comunitárias. Em tese. Na verdade, a legislação brasileira para concessão de emissoras é envolta em polêmicas e muitas vezes leva casos relacionados à transmissão de emissoras não-comerciais à polícia.

E o que é uma rádio comunitária? "A idéia de rádio comunitária nasceu com o sentido de dar voz aos populares (clique aqui para saber mais). Trata-se de uma pequena estação de rádio, que dá condições a determinada comunidade de ter um canal de comunicação inteiramente dedicado a ela, pelo qual seus membros vão divulgar suas idéias", explica o professor do curso de Rádio e TV do Centro Universitário Municipal de São Caetano (IMES) Valdir Boffetti. Segundo ele, sua principal característica é a participação efetiva da comunidade. "É diferente de uma rádio comercial local, por exemplo. Na comunitária as pessoas podem participar na produção da programação e não ficar na mera posição de ouvintes".

Estima-se que hoje existam dez mil rádios comunitárias no Brasil. A lei que as regulamenta é de 1998. Basicamente, ela determina que:

* é um tipo especial de emissora FM;
* deve ter alcance limitado a, no mínimo, um quilômetro a partir de sua antena transmissora;
* não pode ter fins lucrativos nem vínculos com partidos políticos, instituições religiosas etc.;
* não pode, em hipótese alguma, inserir propaganda comercial, a não ser sob a forma de apoio cultural, de estabelecimentos localizados na sua área de cobertura; e
* não pode utilizar a programação de qualquer outra emissora simultaneamente, a não ser quando houver expressa determinação do Governo Federal.

E quem pode se candidatar a montar uma rádio comunitária? De acordo com o Ministério das Comunicações, somente as "fundações e as associações comunitárias sem fins lucrativos, legalmente constituídas e registradas, com sede na comunidade em que pretendem prestar o serviço, cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, maiores de 18 anos, residentes e domiciliados na comunidade".

Para Valdir Boffetti, a proposta da rádio comunitária " é fantástica" porque revoluciona o entendimento da sociedade. "Nós sabemos que hoje quem tem poder é quem pode falar. A rádio comunitária muda isso e divide esse poder porque abre espaço para o cidadão comum, que faz parte de uma comunidade pequena, falar".

O problema todo é quando o pretexto de uma rádio comunitária serve para mascarar uma rádio clandestina, ou as chamadas rádios piratas. Segundo a Abert (Associação Brasileira de Rádios e TVs), este tipo de emissora funciona irregularmente, ou seja, sem outorga do poder concedente (que, assim como no caso das rádios comerciais e comunitárias, é o Governo Federal). "Dessa forma, a rádio clandestina opera no canal e freqüência que bem entender, interferindo em outras emissoras regularmente autorizadas. Normalmente têm ligações com políticos, grupos religiosos ou empresas e vendem espaço comercial a preços irrisórios, causando concorrência predatória às emissoras legalmente constituídas", diz a assessora Geórgia Moraes.

Para o professor do IMES, o principal motivo para a proliferação das rádios piratas é a lentidão do governo na legitimação e na legalização das rádios comunitárias. "Hoje, quando uma associação entra com um pedido de concessão no Governo Federal, leva muito tempo para ser atendida. Acho que de dez mil pedidos, nem 900 são liberados. Isso é muito pouco". Ele explica que essa demora abre espaço para que políticos, igrejas, empresas etc. façam uso comercial ou mau uso das emissoras. "É preciso um processo mais transparente e ágil".

No entanto, ele faz um alerta: "Não podemos colocar tudo no mesmo balaio e achar que rádio comunitária é só picaretagem. Há projetos bastante sérios e importantes por aí. Quando uma rádio comunitária tem uma linha de trabalho baseada em campanhas educativas, de utilidade pública e presta relevantes serviços a sua comunidade, ao invés de ser somente mais um simples entretenimento, ela chega até ser 'perigosa' porque ameaça a audiência das rádios comerciais".
Normas – Atualmente, a autorização para execução do serviço de rádio comunitária é concedida por dez anos, podendo ser renovada por igual período. Cada entidade pode receber apenas uma autorização para execução do serviço, sendo proibida a sua transferência.

Se todos os requisitos da lei forem cumpridos, e um grupo pretender montar uma rádio para atender a sua comunidade, alguns cuidados devem ser tomados.

Um deles diz respeito aos equipamentos. Um conjunto de transmissor de 25 watts, gerador de estéreo, cabos, antenas e mesa de som (clique aqui para saber a função de cada um destes itens) custa em média R$ 3 mil.

Alguns estudiosos do assunto argumentam que o baixo valor dos equipamentos é um dos agravantes para o surgimento das rádios clandestinas — é a famosa frase: "qualquer um pode ter". Porém, o professor Boffetti, do IMES, diz que essa não é a grande questão envolvendo o assunto. "A tecnologia é importante e deve ser uma facilitadora. Se ela tem um preço acessível, melhor ainda. Agora, em qualquer área, ela pode ser usada para o bem ou para o mal. O problema no caso da radiofusão é mais de ordem política, como a demora do governo em autorizar o funcionamento da rádio comunitária".

Outro cuidado a ser tomado é na hora de escolha da sede da rádio comunitária. Deve ser levado em conta que a topografia influi no alcance da transmissão. Como as ondas de rádio FM se propagam em linha reta, por exemplo, se houver um obstáculo no caminho (prédio, montanha, torres etc), o sinal será interrompido. Por outro lado, se for um planalto, um transmissor de baixa potência vai alcançar longas distância — não é necessário comprar um de um milhão de watts se com um de 50 a questão estaria resolvida.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

JORNAL EX

A fermentação cultural da década brasileira de 60 - Antônio Hohlfeldt

"Imprensa nanica" foi uma expressão criada por Joâo Antonio e estudada pioneiramente por Sérgio Caparelli. O Brasil entrara, definitivamente, durante as décadas de 60 e 70, na era da indústria cultural. A imprensa alternativa ocupou importante espaço com o surgimento de diversas publicações, tais como o "Opinião" (1972 a 1977), o jornal "EX" (logo substituído por "Mais Um") e inúmeros outros francamente políticos como o "Jornal de Debates" (1973), "Polítika" (1973), "De Fato" (BH - 1975) e "Coojornal" (POA - 1975), que sofreu constante perseguição policial, tendo, inclusive, ameaçados seus anunciantes com cortes de verbas de publicidade governamental. Revistas culturais, como a "Argumento" (1973), não passaram do quarto número e a contradição entre um e outro aspecto de nossa imprensa, permaneceu. O" Pasquim" (1969) foi um marco e uma nova experiência relacionada a imprensa, produzido por Millôr Fernandes e um grupo de jornalistas, que anteriormente já haviam feito uma inovação no "Pif-Paf". A cultura alternativa ganharia, ainda, publicações especializadas como Versus, de 1976, dando prosseguimento, de certo modo, à eclosão das histórias em quadrinhos que, desde a grande exposição do MASP em 1970, alcançara um status privilegiado em nosso país. Versus possibilitou a veiculação, no Brasil, de quadrinhos já clássicos internacionalmente e que, no entanto, ainda eram praticamente desconhecidos em nosso país. Na década de 70, por fim, ocorrera o surgimento dos jornais alternativos localizados em determinados segmentos populacionais, como os feministas Brasil, mulher e Nós, mulheres de 1975, dentre tantos outros.

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ENTREVISTA / PAULO PATARRA

Depois da Realidade, veio o jornal Ex, bancado posteriormente por Paulo Patarra, P.Pat. A primeira capa trazia um sósia de Hitler tomando banho pelado na praia; outra, o presidente norte-americano Richard Nixon vestido de presidiário... Isso até começar a pressão dos militares. "Muitas vezes o jornal era feito na máquina elétrica, diretamente no papel. O fotolito era feito a partir do couchê. Não podia errar. Patarra colocou uma grana preta na publicação, o dinheiro de um apartamento. A tiragem foi crescendo, até que a edição que vincularia o melhor do Ex foi apreendida na gráfica. Isto foi determinante para o fechamento do jornal. Suspeitamos até que houve deduragem", revela Myltainho. "Na invasão, todos tremeram com a chegada dos agentes da Polícia Federal, em especial um negro, alto, cujo dedos pareciam cinco cassetetes. O cara não precisava nem de arma." Sob censura, Patarra fechou um jornal e criou outro, o Mais Um, com seus últimos tostões. Um pequeno selo no alto da página trazia a palavra "Ex" na nova publicação, rodada na gráfica de Raduan Nassar, em Pinheiros. Generoso, o autor de Lavoura arcaica não cobrou um débito que a equipe tinha na empresa, fruto das últimas edições do Ex. "Quando lançamos o primeiro número com uma matéria sobre o Esquadrão da Morte, eu e o Half (Hamilton Almeida Filho) fomos chamados pelo coronel Barreto, que, parecendo que ia rasgar o jornal com os dentes, gritou: ‘O que é isso?’ Um dos dois respondeu: ‘Coronel, é um outro jornal’ A réplica do militar foi imediata: ‘Ou vocês param com isso ou não respondo mais pela integridade física de vocês.’ Todos pararam e a turma, liderada por Patarra, se tornou ‘maldita’."


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Entrevista MYLTAINHO - Mylton Severiano da Silva, o craque do texto, colunista da revista Caros Amigos, conta história do Ex.


O ex- era um jornal mensal. Estavam a frente da publicação: Hamilton Almeida Filho, o Haf, Paulo Patarra, o P. Pat., eu, Palmério Dória, os fotógrafos Elvira Alegre e Amâncio Chiodi, mais um monte de “ex-editores”, como dizíamos. Passávamos dias e dias a sanduíche de mortadela com guaraná, no almoço, e macarronada com o vinho "Sangue de Boi", à noite. Andávamos a pé ou de ônibus e o telefone da redação era o orelhão da esquina. Comprávamos um monte de fichas e cada repórter recebia sua cota, para os telefonemas. Decididamente, as grandes redações não queriam mais saber daquela turma, ferreteada com o estigma de criadores de caso, porra-loucas, “drogados”, comunistas, adeptos do “amor livre” e tudo o mais que “não prestasse”. Em sua última fase, no segundo semestre de 1975, com uma injeção de dinheiro do P. Pat., de sua indenização ao ser demitido da Abril, o ex- desandou a crescer. De 7 ou 8 mil exemplares, pulou para 30 mil e, com a morte do Vlado, tirou 50 mil exemplares em duas edições. Vendeu praticamente tudo. O cacife aumentou. Achávamos que íamos nos tornar a grande publicação alternativa do País quando a ditadura acabasse.

EX- publicou uma matéria de Hamilton Almeida Filho, sobre o assassinato de Vladimir Herzog, “A sangue quente”, e teve a redação invadida dias depois. Como viveram este momento? E que alternativas sobraram?

Na verdade, “A sangue quente” foi uma “carona” que tomei do sucesso de vendas de “A sangue frio”, do Truman Capote, sobre famoso crime nos Steites, uns bandidos que mataram uma família para roubar, crime reconstituído com minúcias pelo jornalista-escritor. Com “A sangue quente” batizei a reportagem chefiada pelo Haf, quando ele a publicou em livro, pela editora Ômega. No ex-, a reportagem se chamou simplesmente “A morte de Vlado”. Qualquer conotação que irritasse a “linha dura” podia levar-nos em cana ou ao túmulo. Colegas do sindicato vieram até a redação no dia do fechamento, pedir que não publicássemos nada. Foi patético. Nós, implacáveis, decididos a publicar, e os colegas jurando que estavam tentando nos proteger ao pedir que não publicássemos.
Com o dinheiro amealhado devido ao sucesso do ex-16 (décimo-sexto e último número da publicação), rodamos 50 mil exemplares de um número chamado Extra – O melhor do ex-, idéia do Narciso: uma coletânea das melhores coisas que havíamos publicado em três anos de vida. Era, nós acreditávamos, o golpe de mestre para a independência financeira, pagar salários, firmarmo-nos nas bancas etc. Mas, e jamais poderemos comprovar, a Distribuidora Abril pisou no tomate. Devia ser sexta-feira. Achávamos que naquele dia ou no máximo sábado estaria tudo distribuído. Mas não distribuíram, não sabemos a razão. Eis que dois latagões irrompem na redação. Ficava numa casa da Rua Santo Antônio, no Bixiga. Entrava quem quisesse. Eram da Polícia Federal. O Extra estava apreendido por ordem do Ministério da Justiça. Foram apreender toda a edição nos depósitos da distribuidora. Em seguida, veio a ordem de censura prévia contra nós. Nos faliram.
Tentamos sair com novo produto, Mais Um, com um carimbinho que dizia algo como “Qualidade ex-”, mas fomos chamados à PF por certo coronel Barreto, que nos ameaçou diretamente: “Ou param com isso, ou não respondo mais pela integridade física de vocês.” Acabou-se o que era doce.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Rádios comunitárias reivindicam audiência com Hélio Costa

Delcimar Pires, assessor da presidência, avalia que “o governo terá de se estruturar nessa área”; possibilidades vão do fortalecimento do ministério das Comunicações no setor à adoção de modelo como o da agricultura, em que uma pasta cuida do agronegócio e outra da reforma agrária.

Antonio Biondi – Carta Maior         Ministro Helio Costa - Foto: MC/Ascom

SÃO PAULO – As entidades que se dedicam às bandeiras da radiodifusão comunitária, como a Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) e a Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias), devem realizar no início de maio uma audiência com o ministro das Comunicações do governo federal, Hélio Costa. A reivindicação foi apresentada em audiência das entidades da sociedade civil ligadas à democratização da comunicação com o ministro, realizada na última terça-feira (24).

Na reunião, foi apresentada uma pauta comum dos movimentos e entidades deste campo, que inclui a realização de uma audiência específica sobre as rádios comunitárias. Hélio Costa solicitou que o assunto fosse encaminhado junto à sua assessoria e a expectativa é de que a audiência possa ocorrer nas primeiras semanas de maio.

Entre os temas a serem pautados na audiência, estariam o fim da criminalização das emissoras comunitárias, ampliação dos debates e prazos para a digitalização do rádio no país, mecanismos para sustentação das comunitárias e aceleração dos milhares de processos de habilitação de rádios desse gênero que se encontram estacionados no ministério.

O tema é um dos calcanhares-de-aquiles do governo de Luiz Inácio Lula da Silva na área da comunicação. Um grupo de trabalho interministerial (GTI) foi formado ainda no primeiro mandato de Lula e apresentou em 2005 sugestões para solucionar os maiores problemas do setor. O relatório final do GTI foi encaminhado pelo ministério das Comunicações (MiniCom) a Lula, mas até o momento as soluções não foram tornadas práticas do governo.

“Existe realmente uma dificuldade do MiniCom para tratar esse setor. É algo manifestado pelo próprio ministério e pelos movimentos”, reconhece Delcimar Pires, assessor especial da presidência da República e que participou dos trabalhos do GTI. Segundo Pires, “o governo, por excelência, tem que encontrar saída para os problemas que afetam a população. E esse tema das rádios comunitárias é algo que o governo Lula não pretende deixar sem uma resposta”.

Em entrevista à Carta Maior, Pires ponderou que existem exemplos em outras áreas do governo que trazem indicações sobre como trabalhar a situação. “O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, por exemplo, cuidam ambos da produção no campo, da terra, da agricultura, mas um é voltado ao agronegócio e o outro à agricultura familiar e à reforma agrária”. Para ele, deve e também pode existir esse tipo de corte nas comunicações, “mas é preciso ver qual seria esse corte”.

No caso da criação de uma rede de TV pública, houve desencontros quanto a quem capitanearia o processo, que agora se encontra sob o comando do ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins.


No caso das rádios comunitárias, uma das possibilidades cogitadas pelo governo, surgida a partir de diálogos com o próprio movimento de radiodifusão comunitária, seria no sentido o governo federal repassar as questões ligadas ao tema para a pasta comandada por Martins. Algo que o novo ministro de início parece não ter muito interesse em assumir, tanto pelas dificuldades que hoje envolvem a questão quanto pela possível indisposição que criaria com Hélio Costa.

Segundo Delcimar Pires, trata-se de uma possibilidade completamente incipiente, seja do ponto de vista do governo seja do ponto de vista dos movimentos. O que está claro para o governo, de acordo com o assessor da presidência, é que a situação das rádios comunitárias “é um desafio que vamos ter de enfrentar, e para trabalhar melhor isso, o governo certamente terá de se estruturar nessa área”. Com o diagnóstico consolidado, o governo agora analisará internamente sobre como trabalhar o tema em definitivo. “Não posso falar em nome do governo, até onde e como irá este diálogo e se será algo rápido, mas certamente não iremos nos furtar a isso”.

A reportagem de Carta Maior procurou ouvir outros setores sobre a possibilidade de a Secom se tornar a pasta responsável pela radiodifusão comunitária. O Minicom não se pronunciou a respeito. Na Secretaria-Geral da presidência da República, a assessoria afirmou não saber se a idéia era tema de debate do governo como um todo. Na assessoria da Casa Civil, foi sugerido à reportagem procurar a própria presidência ou a Secom. E a Secom propôs que a reportagem ouvisse o assessor da presidência Delcimar Pires.


Fonte: Carta Maior - 30-04-2007

quarta-feira, 9 de maio de 2007

INCLUSÃO SOCIAL ATRAVÉS DE UMA REVISTA

Revista Ocas"

Luciana Motta

A revista Ocas” é publicada pela Organização Civil de Ação Social (OCAS), cujo objetivo é a reinserção social de pessoas em situação de rua, maiores de 18 anos, através da venda do periódico. Revista com temas culturais, políticos e sociais, com vendagem efetuada exclusivamente nas ruas, em pontos de encontro culturais de São Paulo e do Rio de Janeiro. O resultado decorrente da venda da revista – ficam com 2/3 do preço da capa – permite que os vendedores estabeleçam novos contatos, ampliem seu círculo de relacionamento e dêem passos rumo à autonomia financeira e saída da situação de rua.

O termo "situação de rua" se refere à condição de instabilidade de homens e mulheres que não tem moradia fixa e se utilizam de logradouros públicos ou albergues e similares para dormir. Inspirada em publicações semelhantes da Inglaterra e dos Estados Unidos, com o a “The Big Issue”, de Londres, a Ocas” não é apenas fonte de receita imediata aos sem-teto, mas também um canal de comunicação e de aproximação deles com a sociedade. A linha editorial da publicação é voltada ao debate da exclusão e da desigualdade social e também abre espaço para a manifestação dos próprios vendedores. A revista integra uma rede mundial de periódicos de rua, a INSP (sigla, em inglês, para a Rede Internacional de Publicações de Rua).

A Organização Civil de Ação Social – OCAS nasceu do encontro de pessoas e grupos que articularam, desde 1998, para viabilizar a implantação de um projeto de geração de renda e abertura de um canal de expressão para a população em situação de rua. A Organização é uma entidade sem fins lucrativos. Em fevereiro de 2000, a Rede Internacional de Publicações de Rua colocou em contato pessoas de São Paulo e do Rio de Janeiro, que passaram a desenvolver o projeto em parceria. Em 21 de abril de 2001, realizou-se a primeira assembléia geral na qual foi fundada a Organização Civil de Ação Social – OCAS. A revista Ocas” foi lançada em julho de 2002.

A Ocas mantém atualmente cerca de 120 moradores de rua inscritos, sendo 45 deles fixos. Os voluntários do projeto vão às ruas e albergues, explicam a proposta para os moradores de rua e os convidam para uma reunião. Aqueles que aceitam o trabalho são cadastrados, recebem colete com o logotipo da Ocas e um crachá. Todo o trabalho de elaboração da publicação é feita por voluntários.

Além da edição e publicação da revista, outras atividades de suporte são desenvolvidas, tais como oficina de criação, onde voluntários e participantes do projeto discutem a pauta para o periódico; eventos esportivos, onde se destaca a participação da Homeless World Cup (Copa do Mundo de Futebol de Rua) em 2004, 2005 e 2006; psicodrama que são realizados por encontros semanais e orientados por um profissional de psicologia.

Quem quiser conhecer mais sobre as atividades e objetivos das entidades basta acessar: www.ocas.org.br, www.rederua.org.br e www.homelessworldcup.org.

Pontos de venda da revista:

Em São Paulo
Centro Cultural São Paulo, Espaço Unibanco (Rua Augusta), no bairro de Vila Madalena, nas lojas da FNAC em Pinheiros e na Avenida Paulista, Itaú Cultural, Trianon-Masp, BB Cultural, Pinacoteca do Estado, Pátio do Colégio, SESC Consolação, SESC Pompéia e SESC Belenzinho.

No Rio de Janeiro
Largo do Machado, Cinema Estação Botafogo, Cinema Estação Paissandu, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, PUC – Rio, Casa de Cultura Laura Alvim e Centro Cultural Banco do Brasil.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

OPINIÃO

Andrea Coelho


Lançado em 1972, Opinião foi o mais político dos alternativos. Era financiado pelo empresário Fernando Gasparian e feito por jornalistas que vinham do jornal Amanhã e das revistas Veja e Realidade. Dono de diversas indústrias, Gasparian reuniu em torno da sua idéia aqueles que não estavam satisfeitos em ter o humor anárquico de O Pasquim como única opção. Queria um jornal de idéias e de debate intelectual, inspirado no semanário inglês The New Statesman. O empresário era ligado a intelectuais e políticos da esquerda nacionalista, entre os quais Almino Afonso, que se encontrava exilado, e o ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pelos órgãos da repressão. Aliás, foi este último acontecimento que impulsionou Gasparian a criar um jornal de oposição.


(...) volta e meia fazem crítica ao Fernando por
ele ser industrial, mas ele teve atitudes muito
coerentes nessa época, foi muito corajoso, enfrentou
muito até fisicamente. Eu vi Fernando
enfrentar a polícia, enfrentar interrogatório de
Dops. E a mim mesmo no Pasquim ele ajudou
muito, não é dinheiro não, ele ajudou com know
how industrial, com certas coisas. (...)
FERNANDES, Millôr. In: Op. cit.

Entre suas diretrizes básicas, Gasparian colocava a necessidade de a equipe do jornal não defender interesses pessoais e de que o editor se orientasse não por interesses particulares, mas por princípios gerais a serem definidos. Finalmente, a premissa de manter o distanciamento de partidos e ideologias que, no entanto, foi negada já nas origens do semanário que, desde seu nascimento, teve a participação ideológica da AP (Ação Popular) e do PC do B (Partido Comunista do Brasil), partidos, àquela época, na ilegalidade.

Para o cargo de editor, foi convidado o jornalista Raimundo Pereira, que tivera uma passagem brilhante em Amanhã, Folha da Tarde, Realidade e Veja. Em carta ao amigo Bernardo Kucinski, em 1972, ele pede sua opinião sobre Gasparian, antes de aceitar o convite:

Esteve aqui a burguesia nacional em pessoa [Fernando
Gasparian] e me propôs fazer um semanário em bases
inglesas – um dono que paga e acha dinheiro e um
editor que edita – no Brasil. Todas as idéias foram
discutidas rapidamente com ele. Pergunta: Como ficariam
suas indústrias? Resposta: venderia todas, dedicaria
todo o seu talento administrativo a criar um
órgão como esse no Brasil. Pergunta: e os grupos nacionais,
os compromissos com as linhas nacionalistas?
Resposta; nenhum; eu (Raimundo) faria um jornal independente
etc. etc. Resta agora só a questão essencial:
É uma pessoa honesta, decente, com a qual se possa
embarcar numa canoa dessas por um mar de trevas
e tempestades? Por aqui falam as coisas mais
terríveis; diz um que ele é ladrão, um misto de
Abdala com o Bom Burguês. Diz outro que é pessoa
honesta. Enfim, eu queria que vocês dessem
suas impressões pessoais. A uma certa altura a gente
se alia ao próprio demônio para trabalhar com
um mínimo de decência, mas é preciso saber exatamente
que diabo é ele...
Carta de Raimundo Pereira a Bernardo Kucinski,
que se encontrava em Londres, onde também estava
Fernando Gasparian. In KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas
e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa.

Pelo mesmo motivo, Raimundo Pereira pediu também ao jornalista Luís Paulo Costa, do jornal Vale Paraibano, de São José dos Campos, que fizesse uma pesquisa em Pau Grande, vila operária onde moravam os operários da América Fabril demitidos por Fernando Gasparian. O empresário teve uma avaliação favorável. Segundo Kucinski, o produto Opinião deveria ter caráter frentista porque esses eram os desejos coincidentes de seu dono, Fernando Gasparian, e do único partido político que teve conhecimento prévio do projeto, a AP:


Além disso, ao se valer primordialmente dos amigos
das redações anteriores em Amanhã e Veja, Raimundo
formou uma equipe naturalmente diversificada. O
editor de cultura, Júlio César Montenegro, seu antigo
companheiro do ITA, era trotskista; o editor de economia,
após a desistência de última hora de Aloysio
Biondi, era Marcos Gomes, antigo dirigente da AP
em São Paulo; o secretário de redação, Antonio Carlos
Ferreira, era mais afinado à dissidência; o correspondente
em Londres, Bernardo Kucinski, era um independente;
Dirceu Brisola, editor de nacional, e Maurício
Azedo identificavam-se com a linha do PC.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos
tempos da imprensa alternativa.


Muitos dos jornalistas que participaram da elaboração do projeto do novo jornal haviam começado sua experiência na imprensa alternativa com o Amanhã, entre eles Raimundo Pereira. Amanhã era uma publicação financiada pelos estudantes de Filosofia da Universidade de São Paulo, dirigida à classe trabalhadora, e chegou a vender 7 mil exemplares nas bancas de São Paulo.

A decisão de colocar a política em primeiro lugar criou alguns obstáculos para o Opinião, mas as primeiras edições não tiveram grandes problemas com a censura até o número 8, chegando a vender 40 mil exemplares. Em pouco tempo, despontou como uma séria concorrente das grandes publicações. A estratégia para a rápida aceitação do público era procurar temas candentes, analisados por colaboradores de peso como Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Biondi, Chico de Oliveira, Celso Furtado, Paul Singer e Luciano Martins. A credibilidade do jornal era grande, reforçada pela publicação de matérias de jornais respeitados internacionalmente, como Le Monde, New York Review of Books, The Washington Post e The Guardian. O jornal encontrava leitores em todo o país, principalmente entre empresários, intelectuais e estudantes universitários.

Enquanto a censura, de certa forma, foi branda, Opinião, por meio de seus comentaristas, pôde fazer duras críticas ao governo, como os desmentidos sistemáticos da propaganda do “milagre econômico”. A capa da edição número 5, por exemplo, anunciava os problemas que o endividamento externo acarretava: “A dívida externa – 10 bilhões de dólares”.

Mas, quando em seu número 23 noticiou a morte do estudante Alexandre Vanucchi, em São Paulo, que reuniu em sua missa de sétimo dia mais de 5 mil pessoas, a intervenção começou de forma dura. Opinião foi o único a dar a notícia. Todas as publicações do país estavam proibidas de citar o nome do morto, mas o semanário achou um meio de burlar a censura: publicou a nota oficial da polícia de São Paulo anunciando a morte do estudante (e que citava o nome de Vanucchi), ao lado da matéria que descrevia a missa em sua memória, mas sem citar seu nome. A partir daí, a censura endureceu.

Até então, Opinião, como a maioria dos semanários, saía às segundas-feiras. Mas, quando a censura passou a ser feita em Brasília, nos primeiros meses de 1973, ficou decidido que só poderiam examinar o jornal na terça-feira. A edição teria, então, que ficar pronta na segunda-feira à noite, quando as matérias eram enviadas a Brasília e entregues à Polícia Federal na terça pela manhã. Já censuradas, eram devolvidas no dia seguinte e só então enviadas para o Rio, onde a edição teria de ser remanejada por causa dos cortes. Esse processo atrasou a circulação do jornal em uma semana. Para contornar a situação, Opinião passou a sair às sextas-feiras.

O jornal teve várias edições apreendidas e chegou a sofrer atentados terroristas. A tiragem, que havia chegado a 40 mil exemplares, despencou rapidamente para 10 mil. Nos primeiros meses do Governo Geisel ocorreram alguns sinais de abertura política, com a censura prévia sendo retirada de algumas publicações como O Estado de S. Paulo, Veja e O Pasquim. Mas permaneceu em outras, como na Tribuna da Imprensa e no Opinião. Entretanto, passou a haver mais liberdade para tratar de certos assuntos e a vendagem subiu.

Esse período durou pouco e a censura tornou a endurecer, a venda caiu novamente e a equipe do Opinião começou a questionar a razão de ser do jornal. Duas edições – as de números 195 e 205 – foram apreendidas. A última porque o pequeno trecho transcrito de uma matéria publicada na Folha de S. Paulo havia sido vetado e saiu por engano.

A edição número 230, de 1o de abril de 1977, foi a última submetida aos censores. Quatro dias antes, uma segunda-feira, todos os textos, ilustrações e anúncios haviam sido enviados a Brasília, para serem submetidos à censura prévia na terça-feira. O correspondente do jornal naquela cidade ditou para a sede do semanário, no Rio, os inúmeros cortes a serem feitos. Naquela mesma noite, o jornal foi composto e na quinta-feira saiu da impressora a edição bem diferente daquela autorizada pela censura. Trazia uma matéria com discurso do senador gaúcho Paulo Brossard, com chamada de capa, e que foi incluída na edição à última hora. Certamente, não teria sido liberada se tivesse passado pelos censores. Assim como seu extenso editorial, onde o Opinião prometia aos leitores voltar, mas sob uma condição, sem censura:


Este é o último número de Opinião a circular sob o
regime de censura prévia. Só voltaremos a circular
quando estivermos inteiramente livres de censura.
Isto é, LIVRES.
(...)
Se chegamos, agora, ao fim desta etapa, se interrompemos,
com este número, nosso contato com
os leitores é que uma censura obstinada e destruidora
já conseguia barrar-nos todos os caminhos; já
nos vedava a própria transcrição de notícias amplamente
divulgadas pela imprensa diária. (...) Quando
Wladimir Herzog – que foi nosso chefe de sucursal
em São Paulo – morreu em circunstâncias
dramáticas quando detido pelos órgãos de Segurança,
não pudemos sequer noticiar o fato, como
fizeram os jornais. O convite para a missa de sétimo
dia de Herzog, tivemos de publicá-lo em forma
de anúncio, em outros jornais.
(...)
O ponto principal do assédio a Opinião era sem dúvida
de ordem financeira. Nos quatro e meio anos
de existência do jornal os 230 números que publicamos
somaram 5.796 páginas impressas. Se acrescentarmos
a este número as matérias vetadas pela
censura, teríamos publicado um total de 10.548
páginas. É que precisávamos fazer semanalmente,
para cada jornal publicado, quase dois. Não parou
aí a ação da censura, esta chegou ao extremo de
vetar matéria publicitária paga e anúncios inseridos
em nossas páginas. A Fundação Getulio Vargas, que
autorizou a publicação em nossas colunas de uma
série de anúncios dos livros que editava, suspendeu
intempestivamente a meio essa publicidade, em
meados de 1974. O mesmo fez a Petrobrás, em
meados de 1976. Com o brutal aumento dos custos
gráficos, que foi de 70 por cento nos últimos
seis meses, mais o aumento dos jornalistas, iríamos
trabalhar, a partir de agora, com um prejuízo semanal
superior a 30 mil cruzeiros.

Arcaríamos, ainda assim, com o prejuízo, faríamos
todos os sacrifícios necessários para manter Opinião
nas bancas, nas mãos dos leitores, dos congressistas,
do povo, de todos aqueles que partilhavam da nossa
reflexão sobre os problemas do país. Mas que jornal
estávamos nós passando a propor ao público? Que
Opinião era essa que oferecíamos, mutilada, aviltada,
desfigurada? Que matéria para meditação podíamos
oferecer quando não mais podíamos sequer transcrever
notícias já publicadas ou frases pronunciadas pelo
presidente da República?
(...)
Talvez por termos sido nós, precisamente, a primeira
publicação que recorreu contra a censura e
que desvendou os mecanismos em que se firmava.
Contra a censura apelamos ao Tribunal Federal de
Recursos, em 1973, pela voz destemerosa do advogado
Adauto Lúcio Cardoso, que levantou a
preliminar de sua inconstitucionalidade. Ganhamos
a causa, naquele Tribunal. Mas a decisão foi anulada
pelo presidente Médici, ficando então nós, de
Opinião, e o país inteiro, sabendo que a censura prévia
à imprensa resultava de um despacho presidencial
de 1971, até então secreto, baseado no AI-5.
Desde então a censura nos dedicou uma atenção
toda especial. O preço que pagamos foi o de conviver,
até hoje, com a censura prévia, com o veto a
alguns de nossos melhores colaboradores, com a paulatina
erosão dos temas que nos eram permitidos, com
a destruição do estilo, da qualidade dos nossos textos
submetidos a uma censura freqüentemente bronca e
sempre surda a qualquer apelo.

Aqui, portanto, fazemos nossas despedidas da censura.
Dos leitores, não. Porque voltaremos um dia a ser
LIVRES. Só encerramos, temporariamente, esta primeira
etapa à espera do direito de opinar. A pausa
que nos impomos não é de resignação e sim de protesto.
Não paramos nossas máquinas com melancolia
e sim com indignação, esta boa e bela indignação
que lavra entre tantos brasileiros inconformados
com o cerceamento de suas liberdades, a primeira
das quais é a de pensar e a de dizer o que se pensa.
Aguardamos, confiantes, o retorno ao país do livre
direito de opinião
Trechos do editorial publicado na edição 230 do
jornal Opinião, em 10 de abril de 1977, sob o
título “Fim de uma etapa”.


A edição de número 231 – a última –, de 8 de abril de 1977, apareceu com o carimbo “livre” sobre o logotipo do jornal. A chamada para a matéria principal, ao lado de uma charge do presidente, dizia: “Geisel – O AI-5, de novo”. Quase toda a edição do jornal foi apreendida pela Polícia Federal por ordem do ministro da Justiça, Armando Falcão. O diretor de Opinião, Fernando Gasparian, foi processado por “desobediência civil”. A impressão do número 132 foi impossível. Gráfica e distribuidoras foram avisadas de que o jornal estava proibido de circular sem censura prévia. A redação, então, decidiu que o Opinião só voltaria quando a censura fosse extinta para todos os jornais.


Fonte: Imprensa alternativa: apogeu, queda e novos caminhos.
— Rio de Janeiro : Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2005. 80 p.: — (Cadernos da Comunicação. Série Memória; v.13

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Sobre O Pasquim

Juliana Azevedo

Em julho de 1969, um jornal de teor crítico e intelectualizado é criado por jovens da Zona Sul carioca. Eles estavam dispostos a ocupar o próprio espaço numa sociedade enclausurada e truculenta. Nascia assim O Pasquim. Um jornal que tratava as questões mais sérias do Brasil e do mundo com pitada irreverente e bem – humoradas. Ou mesmo um tipo de esponja que absorvia a criatividade de intelectuais do período cinzento da história brasileira.

Uma das finalidades do jornal era o uso do humor inteligente na exposição de visões. Tudo isso nas entrelinhas. Reunir reflexões, posicionar pontos de vista, propor soluções, juntar denúncias e, claro, rir da própria desgraça, além de discutir sobre drogas, feminismo, sexo, futebol, divórcio, bossa nova, cinema e muitos outros assuntos de calão desafiador decorrente da época. Uma das frases de efeitos foi a de Ivan Lessa dizendo que “os políticos são os únicos seres humanos capazes de passar direitos ao processo de repensar sem fazer escala no de pensar”.

De uma tiragem inicial de 20 mil exemplares, que a princípio parecia exagerada, o semanário atingiu a marca de mais de 200 mil em seu auge, em meados dos anos 70, se tornando um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. Começou com uma publicação comportamental, O Pasquim foi se tornando mais politizado a medida que aumentava a repressão no ato AI-5. O Pasquim passou então a ser o porta- voz da indignação social brasileira.

A primeira capa do Pasquim, foi a entrevista com o colunista social Ibrahim Sued. E já no número de lançamento, um furo: o próximo general a governar o país, depois de Costa e Silva, seria Emilio Médici. A primeira edição contou ainda com textos da atriz Odete Lara, que se encontrava no festival de Cannes e do cantor e compositor Chico Buarque. A irreverência do tablóide já se revelara na legenda de capa. “É um semanário executado só por jornalistas que se consideram geniais”, dizia.

Logicamente que o regime não aceitava quieto todas as críticas. Uma bomba chegou a ser colocada dentro da redação do jornal e só não explodiu por defeito. Os censores impunham vários cortes na edição do semanário até que fosse liberado para publicação. Ainda assim, alguns números chegavam a ser recolhidos das bancas por algum militar insatisfeito.

A redação, claro, deu seu jeito de burlar a censura. A primeira censora, chamada “Dona Marina”, por exemplo, acabou amiga de bebedeira dos jornalistas e foi demitida por deixar passar uma charge de Ziraldo, na qual ao invés do grito de independência de Dom Pedro, estava a legenda “Eu quero é mocotó!”. Por esta sátira a redação inteira do O Pasquim foi presa em novembro de 1970. Os militares esperavam que o semanário saísse de circulação e seus leitores perdessem o interesse, mas durante todo o período em que a equipe esteve encarcerada, até fevereiro de 1971, O Pasquim foi mantido sob a editoria de Millôr Fernandes (que escapara da prisão), com colaborações de Chico Buarque, Antônio Callado e diversos intelectuais cariocas.

As prisões continuariam nos anos seguintes, e na década de 80, bancas que vendiam jornais alternativos como O Pasquim passaram a ser alvo de atentados a bomba.

O jornal ainda sobreviveria a abertura política de 1985, mesmo com o surgimento de inúmeros jornais de oposição e de novos conceitos de humor.
O jornal O Pasquim representa o principal exemplo de imprensa alternativa no Brasil e, ao mesmo tempo, é considerado o veículo impresso que mais influenciou a chamada grande imprensa, que até hoje ainda se renova ao adotar importantes modificações introduzidas no jornalismo por aquele, como oralidade.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Projeto pretende resgatar a história de resistência da revista "Versus".

Redação Portal Imprensa

Projeto pretende resgatar a história de resistência da revista “Versus”.

Fundada em 1975 pelo repórter Marcos Faerman (1944*1999+), a revista Versus é um marco na história da imprensa alternativa brasileira. Referência para qualquer estudante de jornalismo, a publicação trouxe para o Brasil um estilo mais analítico com uma linguagem literária, bem à moda do consagrado new journalism estadunidense, praticado por James Agee, Norman Mailer, Gay Talese e Truman Capote. Segundo o jornalista e escritor Omar de Barros Filho, "o trabalho de Faerman e sua equipe aponta para uma experiência original e inventiva, ainda não superada, que incorporou novas ferramentas de linguagem e criação literária nas reportagens, entrevistas e ensaios produzidos e editados pelo jornal".

A Versus, em sua curta história (1975 a 1979), procurou expressar os diversos sentimentos que envolviam o período da ditadura militar. O seu espaço valorizava a metáfora histórica, a mitologia da América Latina e fundia elementos gráficos, com fotografia, desenhos, quadrinhos, literatura e poesia. A revista chefiada por Marcos Faerman foi um dos principais expoentes de resistência nos anos 70. "Hoje podemos considerar a Versus como uma das principais fontes para aqueles que procuram respostas políticas adequadas aos novos desafios da democracia e da cultura brasileira e latino-americana", conclui Omar.



30 anos

Em 2005, a primeira edição da revista faz seu 30º aniversário. Motivados pela data, os editores Omar de Barros(Matico), Vitor Vieira, Toninho Mendes e Paulo de Tarso, ambos editores originais da publicação, planejam coroar esta festa publicando uma edição especial com os melhores momentos de Versus. "A proposta é produzir em um livro ilustrado uma seleção das páginas mais significativas e representativas da história da revista, transformando esse material numa referência para futuros estudos do jornalismo cultural e político brasileiro e prestar uma homenagem ao grande Marcos Faerman", explica Omar.

O futuro livro já possui nome "Página da Utopia – O melhor de Versus". O conteúdo será recheado de reportagens, entrevistas, ensaios, relatos, ilustrações, charges e quadrinhos. A produção do livro fica por conta da Laser Press Comunicação, empresa que atua na área de cultura e responsabilidade social. A intenção dos editores é lançar uma primeira edição com aproximadamente 160 páginas e uma tiragem de dois mil exemplares. Para tocar o projeto, Omar de Barros Filho comenta que a produção está em busca de patrocínio e informa que os investimentos no resgate da obra possibilitarão a utilização dos incentivos fiscais previstos na Lei Rouanet, tendo o projeto sido escrito no PRONAC e aprovado.

Pesquisado por Fernanda


Mais informações sobre a Revista Versus: Blog Mídia Alternativa

quarta-feira, 2 de maio de 2007

JORNAL O LAMPIÃO

Em 1977, os estudantes tomavam as ruas para exigir a anistia dos presos e exilados políticos. Era o começo do fim da ditadura. A retomada do ascenso fez com que diversos setores da sociedade buscassem se organizar. A imprensa "alternativa" se multiplicou rapidamente. E os setores oprimidos e explorados da sociedade exigiam seu espaço. Em meio à este processo surgiu o jornal Lampião de Esquina, com o objetivo de enfocar a luta de todos os chamados "setores oprimidos" (mulheres, negros, índios e homossexuais) mas que, na prática, era quase que totalmente voltado para a comunidade homossexual. A idéia inicial de lançamento do jornal "nasceu" com a visita de um jornalista gay norte-americano, Winston Leyland, que veio à América Latina, no final de 1977, para recolher material para escrever uma antologia sobre a produção literária de autores homossexuais. Sua visita acabou desencadeando a reunião de um grupo de jornalistas, escritores e intelectuais responsável pelo lançamento do número zero do jornal em abril de 1978.

Além do surgimento do Lampião, outros fatores iriam contribuir para a formação do primeiro movimento homossexual brasileiro. Também em abril de 78, entre os dias 24 e 30, a revista Versus promoveu um ciclo de debates denominado "Semana do Movimento da Convergência Socialista", cujo o objetivo era elaborar a plataforma política de um futuro Partido Socialista Brasileiro. Durante estes debates um "incidente" provocado pela não convocação do Lampião, acabou resultando em uma intensa discussão sobre o relacionamento entre a esquerda e os homossexuais. A grande importância desde debate foi que ali se deu a primeira discussão pública sobre a homossexualidade e seus aspectos políticos.

Após este debate um grupo integrado por dois editores do Lampião, e outro homossexuais fundaram o Núcleo de Ação pelos Direitos Homossexuais, que apareceu à público pela primeira vez para denunciar a forma preconceituosa como o jornal Notícias Populares tratava os homossexuais.

Pesquisado por Fernanda Pontes