segunda-feira, 7 de maio de 2007

OPINIÃO

Andrea Coelho


Lançado em 1972, Opinião foi o mais político dos alternativos. Era financiado pelo empresário Fernando Gasparian e feito por jornalistas que vinham do jornal Amanhã e das revistas Veja e Realidade. Dono de diversas indústrias, Gasparian reuniu em torno da sua idéia aqueles que não estavam satisfeitos em ter o humor anárquico de O Pasquim como única opção. Queria um jornal de idéias e de debate intelectual, inspirado no semanário inglês The New Statesman. O empresário era ligado a intelectuais e políticos da esquerda nacionalista, entre os quais Almino Afonso, que se encontrava exilado, e o ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pelos órgãos da repressão. Aliás, foi este último acontecimento que impulsionou Gasparian a criar um jornal de oposição.


(...) volta e meia fazem crítica ao Fernando por
ele ser industrial, mas ele teve atitudes muito
coerentes nessa época, foi muito corajoso, enfrentou
muito até fisicamente. Eu vi Fernando
enfrentar a polícia, enfrentar interrogatório de
Dops. E a mim mesmo no Pasquim ele ajudou
muito, não é dinheiro não, ele ajudou com know
how industrial, com certas coisas. (...)
FERNANDES, Millôr. In: Op. cit.

Entre suas diretrizes básicas, Gasparian colocava a necessidade de a equipe do jornal não defender interesses pessoais e de que o editor se orientasse não por interesses particulares, mas por princípios gerais a serem definidos. Finalmente, a premissa de manter o distanciamento de partidos e ideologias que, no entanto, foi negada já nas origens do semanário que, desde seu nascimento, teve a participação ideológica da AP (Ação Popular) e do PC do B (Partido Comunista do Brasil), partidos, àquela época, na ilegalidade.

Para o cargo de editor, foi convidado o jornalista Raimundo Pereira, que tivera uma passagem brilhante em Amanhã, Folha da Tarde, Realidade e Veja. Em carta ao amigo Bernardo Kucinski, em 1972, ele pede sua opinião sobre Gasparian, antes de aceitar o convite:

Esteve aqui a burguesia nacional em pessoa [Fernando
Gasparian] e me propôs fazer um semanário em bases
inglesas – um dono que paga e acha dinheiro e um
editor que edita – no Brasil. Todas as idéias foram
discutidas rapidamente com ele. Pergunta: Como ficariam
suas indústrias? Resposta: venderia todas, dedicaria
todo o seu talento administrativo a criar um
órgão como esse no Brasil. Pergunta: e os grupos nacionais,
os compromissos com as linhas nacionalistas?
Resposta; nenhum; eu (Raimundo) faria um jornal independente
etc. etc. Resta agora só a questão essencial:
É uma pessoa honesta, decente, com a qual se possa
embarcar numa canoa dessas por um mar de trevas
e tempestades? Por aqui falam as coisas mais
terríveis; diz um que ele é ladrão, um misto de
Abdala com o Bom Burguês. Diz outro que é pessoa
honesta. Enfim, eu queria que vocês dessem
suas impressões pessoais. A uma certa altura a gente
se alia ao próprio demônio para trabalhar com
um mínimo de decência, mas é preciso saber exatamente
que diabo é ele...
Carta de Raimundo Pereira a Bernardo Kucinski,
que se encontrava em Londres, onde também estava
Fernando Gasparian. In KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas
e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa.

Pelo mesmo motivo, Raimundo Pereira pediu também ao jornalista Luís Paulo Costa, do jornal Vale Paraibano, de São José dos Campos, que fizesse uma pesquisa em Pau Grande, vila operária onde moravam os operários da América Fabril demitidos por Fernando Gasparian. O empresário teve uma avaliação favorável. Segundo Kucinski, o produto Opinião deveria ter caráter frentista porque esses eram os desejos coincidentes de seu dono, Fernando Gasparian, e do único partido político que teve conhecimento prévio do projeto, a AP:


Além disso, ao se valer primordialmente dos amigos
das redações anteriores em Amanhã e Veja, Raimundo
formou uma equipe naturalmente diversificada. O
editor de cultura, Júlio César Montenegro, seu antigo
companheiro do ITA, era trotskista; o editor de economia,
após a desistência de última hora de Aloysio
Biondi, era Marcos Gomes, antigo dirigente da AP
em São Paulo; o secretário de redação, Antonio Carlos
Ferreira, era mais afinado à dissidência; o correspondente
em Londres, Bernardo Kucinski, era um independente;
Dirceu Brisola, editor de nacional, e Maurício
Azedo identificavam-se com a linha do PC.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos
tempos da imprensa alternativa.


Muitos dos jornalistas que participaram da elaboração do projeto do novo jornal haviam começado sua experiência na imprensa alternativa com o Amanhã, entre eles Raimundo Pereira. Amanhã era uma publicação financiada pelos estudantes de Filosofia da Universidade de São Paulo, dirigida à classe trabalhadora, e chegou a vender 7 mil exemplares nas bancas de São Paulo.

A decisão de colocar a política em primeiro lugar criou alguns obstáculos para o Opinião, mas as primeiras edições não tiveram grandes problemas com a censura até o número 8, chegando a vender 40 mil exemplares. Em pouco tempo, despontou como uma séria concorrente das grandes publicações. A estratégia para a rápida aceitação do público era procurar temas candentes, analisados por colaboradores de peso como Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Biondi, Chico de Oliveira, Celso Furtado, Paul Singer e Luciano Martins. A credibilidade do jornal era grande, reforçada pela publicação de matérias de jornais respeitados internacionalmente, como Le Monde, New York Review of Books, The Washington Post e The Guardian. O jornal encontrava leitores em todo o país, principalmente entre empresários, intelectuais e estudantes universitários.

Enquanto a censura, de certa forma, foi branda, Opinião, por meio de seus comentaristas, pôde fazer duras críticas ao governo, como os desmentidos sistemáticos da propaganda do “milagre econômico”. A capa da edição número 5, por exemplo, anunciava os problemas que o endividamento externo acarretava: “A dívida externa – 10 bilhões de dólares”.

Mas, quando em seu número 23 noticiou a morte do estudante Alexandre Vanucchi, em São Paulo, que reuniu em sua missa de sétimo dia mais de 5 mil pessoas, a intervenção começou de forma dura. Opinião foi o único a dar a notícia. Todas as publicações do país estavam proibidas de citar o nome do morto, mas o semanário achou um meio de burlar a censura: publicou a nota oficial da polícia de São Paulo anunciando a morte do estudante (e que citava o nome de Vanucchi), ao lado da matéria que descrevia a missa em sua memória, mas sem citar seu nome. A partir daí, a censura endureceu.

Até então, Opinião, como a maioria dos semanários, saía às segundas-feiras. Mas, quando a censura passou a ser feita em Brasília, nos primeiros meses de 1973, ficou decidido que só poderiam examinar o jornal na terça-feira. A edição teria, então, que ficar pronta na segunda-feira à noite, quando as matérias eram enviadas a Brasília e entregues à Polícia Federal na terça pela manhã. Já censuradas, eram devolvidas no dia seguinte e só então enviadas para o Rio, onde a edição teria de ser remanejada por causa dos cortes. Esse processo atrasou a circulação do jornal em uma semana. Para contornar a situação, Opinião passou a sair às sextas-feiras.

O jornal teve várias edições apreendidas e chegou a sofrer atentados terroristas. A tiragem, que havia chegado a 40 mil exemplares, despencou rapidamente para 10 mil. Nos primeiros meses do Governo Geisel ocorreram alguns sinais de abertura política, com a censura prévia sendo retirada de algumas publicações como O Estado de S. Paulo, Veja e O Pasquim. Mas permaneceu em outras, como na Tribuna da Imprensa e no Opinião. Entretanto, passou a haver mais liberdade para tratar de certos assuntos e a vendagem subiu.

Esse período durou pouco e a censura tornou a endurecer, a venda caiu novamente e a equipe do Opinião começou a questionar a razão de ser do jornal. Duas edições – as de números 195 e 205 – foram apreendidas. A última porque o pequeno trecho transcrito de uma matéria publicada na Folha de S. Paulo havia sido vetado e saiu por engano.

A edição número 230, de 1o de abril de 1977, foi a última submetida aos censores. Quatro dias antes, uma segunda-feira, todos os textos, ilustrações e anúncios haviam sido enviados a Brasília, para serem submetidos à censura prévia na terça-feira. O correspondente do jornal naquela cidade ditou para a sede do semanário, no Rio, os inúmeros cortes a serem feitos. Naquela mesma noite, o jornal foi composto e na quinta-feira saiu da impressora a edição bem diferente daquela autorizada pela censura. Trazia uma matéria com discurso do senador gaúcho Paulo Brossard, com chamada de capa, e que foi incluída na edição à última hora. Certamente, não teria sido liberada se tivesse passado pelos censores. Assim como seu extenso editorial, onde o Opinião prometia aos leitores voltar, mas sob uma condição, sem censura:


Este é o último número de Opinião a circular sob o
regime de censura prévia. Só voltaremos a circular
quando estivermos inteiramente livres de censura.
Isto é, LIVRES.
(...)
Se chegamos, agora, ao fim desta etapa, se interrompemos,
com este número, nosso contato com
os leitores é que uma censura obstinada e destruidora
já conseguia barrar-nos todos os caminhos; já
nos vedava a própria transcrição de notícias amplamente
divulgadas pela imprensa diária. (...) Quando
Wladimir Herzog – que foi nosso chefe de sucursal
em São Paulo – morreu em circunstâncias
dramáticas quando detido pelos órgãos de Segurança,
não pudemos sequer noticiar o fato, como
fizeram os jornais. O convite para a missa de sétimo
dia de Herzog, tivemos de publicá-lo em forma
de anúncio, em outros jornais.
(...)
O ponto principal do assédio a Opinião era sem dúvida
de ordem financeira. Nos quatro e meio anos
de existência do jornal os 230 números que publicamos
somaram 5.796 páginas impressas. Se acrescentarmos
a este número as matérias vetadas pela
censura, teríamos publicado um total de 10.548
páginas. É que precisávamos fazer semanalmente,
para cada jornal publicado, quase dois. Não parou
aí a ação da censura, esta chegou ao extremo de
vetar matéria publicitária paga e anúncios inseridos
em nossas páginas. A Fundação Getulio Vargas, que
autorizou a publicação em nossas colunas de uma
série de anúncios dos livros que editava, suspendeu
intempestivamente a meio essa publicidade, em
meados de 1974. O mesmo fez a Petrobrás, em
meados de 1976. Com o brutal aumento dos custos
gráficos, que foi de 70 por cento nos últimos
seis meses, mais o aumento dos jornalistas, iríamos
trabalhar, a partir de agora, com um prejuízo semanal
superior a 30 mil cruzeiros.

Arcaríamos, ainda assim, com o prejuízo, faríamos
todos os sacrifícios necessários para manter Opinião
nas bancas, nas mãos dos leitores, dos congressistas,
do povo, de todos aqueles que partilhavam da nossa
reflexão sobre os problemas do país. Mas que jornal
estávamos nós passando a propor ao público? Que
Opinião era essa que oferecíamos, mutilada, aviltada,
desfigurada? Que matéria para meditação podíamos
oferecer quando não mais podíamos sequer transcrever
notícias já publicadas ou frases pronunciadas pelo
presidente da República?
(...)
Talvez por termos sido nós, precisamente, a primeira
publicação que recorreu contra a censura e
que desvendou os mecanismos em que se firmava.
Contra a censura apelamos ao Tribunal Federal de
Recursos, em 1973, pela voz destemerosa do advogado
Adauto Lúcio Cardoso, que levantou a
preliminar de sua inconstitucionalidade. Ganhamos
a causa, naquele Tribunal. Mas a decisão foi anulada
pelo presidente Médici, ficando então nós, de
Opinião, e o país inteiro, sabendo que a censura prévia
à imprensa resultava de um despacho presidencial
de 1971, até então secreto, baseado no AI-5.
Desde então a censura nos dedicou uma atenção
toda especial. O preço que pagamos foi o de conviver,
até hoje, com a censura prévia, com o veto a
alguns de nossos melhores colaboradores, com a paulatina
erosão dos temas que nos eram permitidos, com
a destruição do estilo, da qualidade dos nossos textos
submetidos a uma censura freqüentemente bronca e
sempre surda a qualquer apelo.

Aqui, portanto, fazemos nossas despedidas da censura.
Dos leitores, não. Porque voltaremos um dia a ser
LIVRES. Só encerramos, temporariamente, esta primeira
etapa à espera do direito de opinar. A pausa
que nos impomos não é de resignação e sim de protesto.
Não paramos nossas máquinas com melancolia
e sim com indignação, esta boa e bela indignação
que lavra entre tantos brasileiros inconformados
com o cerceamento de suas liberdades, a primeira
das quais é a de pensar e a de dizer o que se pensa.
Aguardamos, confiantes, o retorno ao país do livre
direito de opinião
Trechos do editorial publicado na edição 230 do
jornal Opinião, em 10 de abril de 1977, sob o
título “Fim de uma etapa”.


A edição de número 231 – a última –, de 8 de abril de 1977, apareceu com o carimbo “livre” sobre o logotipo do jornal. A chamada para a matéria principal, ao lado de uma charge do presidente, dizia: “Geisel – O AI-5, de novo”. Quase toda a edição do jornal foi apreendida pela Polícia Federal por ordem do ministro da Justiça, Armando Falcão. O diretor de Opinião, Fernando Gasparian, foi processado por “desobediência civil”. A impressão do número 132 foi impossível. Gráfica e distribuidoras foram avisadas de que o jornal estava proibido de circular sem censura prévia. A redação, então, decidiu que o Opinião só voltaria quando a censura fosse extinta para todos os jornais.


Fonte: Imprensa alternativa: apogeu, queda e novos caminhos.
— Rio de Janeiro : Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2005. 80 p.: — (Cadernos da Comunicação. Série Memória; v.13

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