terça-feira, 29 de maio de 2007

“A Contracultura na América do Sol”:
O Underground Brasileiro na perspectiva de Luiz Carlos Maciel

por Patrícia Marcondes de Barros

Jornalista, dramaturgo, roteirista de cinema, filósofo, poeta e escritor. Apesar de sua vasta atuação no cenário cultural brasileiro, Luiz Carlos Maciel é comumente lembrado por sua participação no Pasquim, com a coluna Underground, quando então escrevia artigos sobre os movimentos alternativos que eclodiam no mundo, assim como as manifestações anteriores que lhes serviram de base, como o romantismo, o surrealismo, o existencialismo sartreano, a literatura da Beat Generation, o marxismo, entre muitos horizontes (re)descobertos na época. Este trabalho de difusão da contracultura lhe valeu o estereótipo de “guru da contracultura brasileira”.

Incursões de Luiz Carlos Maciel
na imprensa alternativa

Pasquim, coluna Underground (1969-1971)

Luiz Carlos Maciel foi convidado pelo jornalista Tarso de Castro a participar do semanário O Pasquim e lançava em 1969, a coluna Underground.

O Pasquim foi fundado por Sérgio Cabral, Jaguar e Tarso de Castro, no Rio de Janeiro, seis meses após o governo militar decretar o Ato Institucional n.º 5, acabando, assim, com a chamada liberdade de imprensa. Seu primeiro número chegou às bancas no dia 26 de junho de 1969. Era primeiramente considerado um jornal de bairro, no caso, de Ipanema, denominado por muitos como um “jornal de costumes” que conseguiu em poucas semanas emplacar 200 mil exemplares e alcançar rapidamente leitores de vários pontos do país com sua linha editorial irônica.

Os artigos eram variados, assim como a abordagem de cada membro da “patota”. A linhagem ideológica eclética do grupo acabava por definir uma identidade para o jornal.

Segundo Henfil, O Pasquim funcionava como uma espécie de time de onze garrinchas que tinham uma linha política mais ou menos comum, embora um jogue mais recuado, outro avance bem mais, outro só lance. O ponto chave desse jogo é o humor e nisso as individualidades acabavam por se compatibilizar.

O Pasquim inovou o jornalismo brasileiro, se impondo não apenas através do humor, mas também da criatividade e da quebra de formalidades, tendo como alvos a ditadura, a classe média moralista, a grande imprensa e todos os coniventes de plantão.

Maciel, na primeira fase do Pasquim, com a coluna Underground (que podemos datar até sua prisão em 1970), tinha uma curiosidade pela contracultura movida por propósitos meramente jornalísticos. Depois da sua prisão, em 1971, resolveu se aprofundar nas idéias contraculturais, assumindo-se como um hippie. Morou em comunidades, na praia e, por fim, na roça (quando percebera finalmente que era um homem alternativo, porém urbano).

O termo contracultura era sentido no Brasil como algo exótico, uma curiosidade vinda dos Estados Unidos (que induzia a crítica de setores ideológicos da esquerda tradicional, descrentes de sua ideologia revolucionária, considerada subjetiva e individualista).

A parte majoritária do Pasquim compartilhava de uma visão tradicional de esquerda. Para eles, o tema contracultura era associado a um descompromisso, um “desbunde”, advindo do movimento hippie norte-americano (ou seja, uma expressão do imperialismo norte-americano no Brasil).
Com o tempo, a coluna Underground foi perdendo seu espaço dentro do Pasquim, devido ao confronto ideológico que causava, proporcionando uma cisão interna.

A Flor do Mal (1971)

Juntamente com os poetas Tito de Lemos, Torquato Mendonça e Rogério Duarte, Maciel fundou A Flor do Mal (1971), um dos primeiros jornais contraculturais brasileiros.

Para Maciel, A Flor do Mal representava um momento de liberdade extrema, justamente num momento que a supressão da mesma era intensa. O jornal era escrito à mão, numa busca de espontaneísmo total, de eliminação de filtros mecânicos, ideológicos, o que deu ao jornal um perceptível traço de surrealismo.

A capa do primeiro número de A Flor do Mal continha um texto de Baudelaire sobre a imprensa e a foto de uma menina negra sorrindo, despida do peito para cima, representando a pureza espiritual a que ansiavam. Esta iniciativa durou apenas cinco números, contudo, sua tiragem era de 40 mil exemplares, dos quais vendia-se metade. As características inerentes aos jornais alternativos da época eram, geralmente, a falta de dinheiro, o público restrito e a efêmera existência. A Flor do Mal, apesar do curto período de circulação, obteve grandes considerações no meio underground brasileiro.

Seu conteúdo contemplava poesias em versos, poemas em prosa e alguns textos considerados por muitos como absurdos. Poetas da geração mimeógrafo publicaram seus primeiros poemas nesse jornal. De acordo com Maciel, “na Flor podia-se fazer o que desse na veneta”.

Rolling Stone (1972)

No final do ano de 1971, Maciel foi procurado pelo inglês Mick Killingbeck, que veio ao Brasil para trabalhar como físico nuclear, mas que cultivava intimamente um amor pelo rock’n’roll. Conseguiu assim, os direitos da revista Rolling Stone, grande sucesso nos Estados Unidos, para editá-la no Brasil. Maciel foi então solicitado pelo seu interesse na Contracultura e passou a editar a revista no Brasil.

O número zero saiu em 1972, contendo uma longa matéria escrita por Maciel sobre a vinda do grupo de rock Santana ao Brasil, uma crítica de Mick ao show FA-TAL de Gal Costa, uma saudação à volta de Caetano ao Rio de Janeiro através de uma poesia de Maciel, e entrevistas com o próprio Caetano e Jorge Mautner.

A partir dessa entrevista, Maciel estreitou sua amizade com Mautner, considerado pelo mesmo como “veterano do desbunde”, pois vinha da fase da beat generation dos anos 50 e foi, talvez, o primeiro beatnick brasileiro com a obra Deus da Chuva e da Morte (1958).
A experiência com a revista, contudo, foi breve, acabando por questões financeiras. Logo Maciel se reúne com Jorge Mautner na tentativa de fazer uma nova revista underground no Brasil. Surge, então, o projeto da revista KAOS, em 1971.

KAOS (1971)

Nos anos 50, Mautner tinha lançado o movimento do KAOS com “K”, que consistia na subversão e na contestação dos valores vigentes – não apenas políticos, econômicos e sociais, mas principalmente morais, psicológicos e existenciais. É com esse intuito que a revista surge em idéia, contando também com a participação de Caetano Veloso.

Fizeram um release da idéia em forma de gravação, comentando, através de um “bate-papo” informal, as principais propostas e mandaram para jornais e revistas. A idéia não só foi negada por todas estas instâncias, como também, estereotipada como uma iniciativa hippie, contracultural, associada a uma “maluquice sem propósitos sérios”.

Para Maciel, o intuito central da imprensa alternativa comum a todas as iniciativas era o de combater o poder absoluto da mídia, que se quer imparcial de uma realidade objetiva, mas que atende inescrupulosamente a interesses determinados.

O pensamento de Luiz Carlos Maciel deixa a lição de que não podemos creditar à ação política e a qualquer outro processo de natureza coletiva a função de construir um mundo e uma vida com condições materiais e espirituais mais elevadas, só restando o caminho da experiência pessoal, o de cada um inventar sua própria vida através de uma sanidade física e mental, para a formação de uma nova consciência, de uma contracultura que nos tire da apatia do mundo virtual da realidade.

Lembrar a contracultura dos anos 60, segundo Maciel, pode ser mais do que mero saudosismo: pode nos ajudar a tomada de consciência de uma decadência que parece inevitável, mas que não é historicamente necessária. É sempre possível retomar os caminhos da liberdade. Não se trata de repetir a aventura de então, pois cada momento é único. Trata-se de, finalmente tomar conhecimento de suas lições e reinventar novas formas de existência.


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